Na última semana, a Netflix lançou um documentário sobre a marca de moda norte-americana Abercrombie & Fitch.
Após passar por inúmeras polêmicas nos últimos anos, a marca – liderada pelo CEO Mark Jeffries – vivenciou sua queda. O documentário aborda bem a fórmula que levou a Abercrombie a ser uma das mais desejadas por uma geração. No entanto, em meu ponto de vista, destaca ainda mais os pontos que destruíram esse pequeno pedaço de sonho norte-americano.
Não pretendo aqui falar sobre o documentário, embora recomende fortemente que você o assista. Goste você de moda ou não, ele fala sobre negócios, sociedade, comportamento e diversidade e inclusão. Aqui, quero te contar um pouco da minha história e como a marca impactou – negativamente – a minha vida
O sonho americano para uma garota brasileira
Eu tinha apenas 16 anos quando fui morar nos Estados Unidos pela primeira vez. Fui fazer colegial e estava absolutamente em êxtase por estar realizando o maior sonho de minha vida. Uma das primeiras coisas que notei é que os filmes realmente retratavam a realidade.
Os colégios dos Estados Unidos são realmente cheios de panelas. É cada um com sua tribo. Pertencer ao grupo das “cool kids” é o sonho de todo mundo. Você recebe privilégios por isso, fato. Cheguei lá sendo uma adolescente brasileira gorda e alta. Se aqui eu era totalmente fora do padrão, lá conseguia navegar com um pouco mais de tranquilidade. No entanto, ainda estava fora do padrão.
Em meu primeiro dia de aula, na caruda, me levantei e perguntei à professora se poderia me apresentar, afinal, eu precisava de amigos. Mal sabia eu que, ao fazer isso, os alunos passariam a me achar super legal e descolada. Todo mundo se impressionou com a minha “audácia e simpatia” e, então, ganhei um lugar de destaque, digamos assim.
Eu era diferente dos adolescentes americanos, de alguma forma. Com minha simpatia, fui ganhando a atenção deles e, rapidamente, fui fazendo amigos. Eu andava com todo mundo da escola. Transitava por todas as tribos, mas as “cool kids” me descobriram e, por algum motivo, começaram a me incluir no grupinho deles.
Sempre fui observadora e, lógico, queria pertencer. Apaixonada por moda que sempre fui, notava como eles se vestiam. Abercrombie era uma marca sempre presente entre as “cool kids”. Notando isso, lá fui eu para o shopping procurar ao menos uma peça da marca que pudesse usar, afinal, não queria ficar de fora do grupo.
Minha primeira – e última – experiência na Abercrombie & Fitch
Me recordo perfeitamente da minha visita à loja. Com o intuito de pertencer, queria encontrar ao menos uma peça de roupa bacana. Notei que a equipe da loja me olhava meio torto, mas fui olhando as pilhas de roupas sob as mesas e as araras. Eu ainda não entendia muito bem as numerações da grade norte-americana, mas fui tentando ver o que me agradava.
Cera hora, cheguei em uma pilha de jeans. Meu coração começou a bater mais forte e um enorme sorriso tomou conta do meu rosto. Eu estava diante da calça jeans mais maravilhosa que já houvera visto em toda a minha vida. Ela tinha uma cor azul mais clara, muitos rasgos por toda a perna, desfiados e umas manchas brancas como se alguém tivesse derrubado água sanitária em algumas partes dela. Eu fiquei completamente fascinada com aquela calça.
Naquela época, no Brasil, não era comum ver peças assim no jeans. Parecia que havia encontrado o Santo Graal. Pensei: vou ficar mega bacana com uma calça descolada dessas. Vou abalar na escola!
Eu pensei, juro. Esse pensamento de felicidade ficou em minha mente até eu chegar em uma vendedora da loja. Perguntei se ela poderia providenciar aquela calça no meu tamanho, pois havia acabado de chegar aos EUA e não sabia que tamanho eu usava. No Brasil eu usava 46.
Foi aí, então, que ela me olhou, abriu um sorriso bem falso e disse:
– Não fazemos nada que te sirva. Aqui não temos plus size. Desculpe!
Ela virou as costas e saiu. Eu juro que, naquele momento, desmoronei. E desmoronei bonito porque, até aquele momento, achava que os EUA eram muito mais inclusivos nas roupas porque a maior parte da população usa plus size. E, de fato, são mesmo. Mas o que eu não sabia é que a Abercrombie & Fitch foi formulada para ser uma marca EXCLUDENTE.
Como essa experiência marcou a minha vida
Parece algo tão bobo, né?
Eu saí da loja destruída. Me senti um lixo, a verdade é essa. Cheguei a chorar naquele dia e tive uma dificuldade imensa em devolver a calça para a pilha dela. Nas outras lojas onde eu podia comprar, não tinha nada parecido naquela época.
A Abercrombie tinha essa fama de ter uma roupa que parecia maltrapilha, velha. Então, para aquela época, era meio que diferenciado. Eu nunca encontrei um jeans que chegasse perto daquele em outra loja. Estou escrevendo aqui e vendo o jeans em minha mente. Ele me marcou.
E o que aconteceu comigo, depois dessa experiência?
A verdade é que, inconscientemente, passei a vida buscando por aquela calça em outra loja. Desde que ela cruzou meu caminho, não a esqueci.
Um belo dia, caminhando por um shopping de atacado do Brás, vi na porta de uma loja uma arara com uma calça que era bastante similar à calça da Abercrombie & Fitch que tinha me marcado. Meu coração acelerou na hora. Pensei: quero entrar para ver se eles vendem varejo, mas aqui é atacado. A loja é de moda regular e ainda uso plus size – eu tinha feito a bariátrica há pouco tempo.
A calça era a última peça que eles tinham e era 42 e sim, eles só vendiam no atacado. A minha projeção de emagrecimento era chegar ao manequim 44: vestir 42 era meio que impossível para mim, pois eu sou grandona. Comecei a chorar na loja, sem saber o que fazer e, mais uma vez, me sentindo completamente derrotada. A adolescente de 16 anos que visitou a Abercrombie veio me dar oi naquele momento.
Conversei com a gerente, chorando. Expliquei toda essa história a ela, que decidiu me vender a calça. Fui com ela para casa, feliz, porém com medo de nunca conseguir usá-la.
O polêmico post da calça 42 tinha a ver com a Abercrombie
A calça ficou em meu guarda-roupa por um longo período. Certo dia, tomei coragem para experimentá-la, mas tinha certeza que eu nunca entraria naquela peça.
Para minha surpresa, a calça entrou e a fechei. Naquele dia chorei como criança e vi a Paula de 16 anos pular de alegria. A calça não era da Abercrombie & Fitch, mas era uma prima dela e isso já era bom demais.
Ninguém sabia dessa história e ela não é uma passada de pano para o post que fiz, até porque nunca me passou pela cabeça que aquela publicação poderia ofender ou machucar alguém. Aquele post era uma celebração de ter conquistado algo que desejei tanto. O número 42 me permitiu entrar naquela calça que foi tão idealizada. Se ela fosse um 44 ou um 46, eu teria celebrado do mesmo jeito.
Por uma moda mais inclusiva na Abercrombie & Fitch
Revisitando minha história e tudo que passei, especialmente depois de assistir ao documentário, fiquei pensando em como a moda impacta tantos aspectos de nossa vida. Eu era apenas uma adolescente querendo ser aceita e pertencer. Continuo sendo essa pessoa, mas agora mulher. Como isso é consciente para mim agora, tento me limpar dessas amarras sociais para que eu não tenha que pertencer a um molde para ser amada, aprovada, digna, respeitada.
Meu valor não pode ser medido por um jeans da Abercrombie, nem por uma roupa que eu não possa comprar ou vestir. A marca evoluiu. Mark Jeffries vivenciou a queda e uma nova CEO trouxe uma nova proposta de posicionamento, com diversidade e inclusão. A atual Abercrombie deixa bem explícito que hoje oferece uma nova proposta fashion: dê uma olhada em seu Instagram.
Meu valor está no meu jeito de ser, na minha conduta e integridade, na alma que dá vida ao meu corpo. Que queiramos ser mais e ter menos.