“Maldito inchaço pré-menstrual!”, praguejava Suze enquanto tentava – sem sucesso – fechar o zíper do seu tubinho preto velho de guerra.

Era noite de sexta-feira e ela terminava de se aprontar para “curtir o lado divertido da vida” pela primeira vez em tempos. Muita coisa havia acontecido nos últimos meses, e entre problemas familiares, profissionais, financeiros e um apoteótico pé na bunda, a linda moça de cabelos longos e curvas generosas mergulhou involuntariamente numa depressão que estava tirando seu viço, aumentando suas medidas e acelerando os sinais do tempo dia após dia.

Decidida a dar um basta naquela fase horrorosa, Suze finalmente criou coragem de tentar voltar a viver. Procurou algum amigo disponível para acompanhá-la na empreitada, mas estava todo mundo ocupado demais com outros programas, então decidiu fazer isso sozinha. “Talvez seja mesmo melhor assim, apenas eu e minha coragem de encarar o mundo”, pensou convicta.

Tinha sido um longo dia de cuidados básicos pra tentar colocar o corpo – há muito negligenciado – em ordem: dolorosas sessões de depilação, manicure, pedicure, limpeza de pele, hidratação, e até uma sessãozinha de drenagem linfática pra tentar dar uma aliviada naquele inchaço que nunca mais ia embora.

Suze estava novamente linda. É bem verdade que ainda um pouco roxa de tanto segurar o ar pra conseguir fechar o tubinho preto que outrora lhe caia tão bem, mas um ventilador ligado no modo turbo em sua direção começava a aliviar o desconforto da quase asfixia. “Roupa: ok; Sapato:ok; Make: ok; Acessórios: ok; Perfume: ok”. Enquanto fazia o check-list, Suze olhava atentamente para cada detalhe da produção no espelho e gostava do que via. Sorriu para si mesma e pensou: “É hoje! Preciso agora decidir ONDE ir.”

Jogou no Google: “balada + sexta-feira + gente bonita + paquera”, e foram tantas as opções que o grande oráculo lhe apresentou que precisou fazer uni-duni-tê. Acabou optando por um bar da moda cujo nome rima com “da hora”. “Deve ser um sinal. Vai ser da hora!”, e riu de si mesma depois desse pensamento bobo.

Já era quase meia-noite quando Suze finalmente partiu, não sem antes checar se sua casa estava em ordem e arrumar cuidadosamente sua cama, borrifando um pouco de água de cheiro sobre os lençóis e almofadas. Não que ela tivesse intenção de voltar pra casa acompanhada, nem nada, mas na dúvida achou melhor deixar tudo em ordem. “Nunca se sabe!”

No caminho até o bar, Suze sintonizou o rádio do carro numa emissora que supostamente toca músicas da moda, pra ir se ambientando. De repente começou a tocar “Last Friday Night” da Katy Perry, e mesmo sem conseguir entender exatamente o que a letra da música diz – Suze não fala inglês – ela sentiu boas vibrações e se animou ainda mais, certa de que seria uma grande noite! “Big Friday night! This is it!”, conseguiu pensar num inglês pré-escolar.

Ainda no caminho, enquanto dirigia com as janelas abertas e o vento da noite bagunçando seus cabelos, Suze visualizava os momentos que se sucederiam. Assim como nos filmes, ela chegaria ao bar e desceria exuberante do carro, largando as chaves nas mãos do manobrista com um ar despojado. Entraria no bar, a essa hora já bem cheio, e atrairia todos os olhares com sua postura segura e atraente. Dirigiria-se ao balcão e pediria um Cosmopolitan, como fazem as mulheres nos filmes, e então ficaria ali por alguns instantes, bebericando seu drink e observando as pessoas distraidamente, até que seria gentilmente interrompida por aquele que mais tarde viria a se tornar o grande amor da sua vida.

Não que Suze seja uma sonhadora romântica lunática, nem nada disso, mas né? Se acontece nos filmes o tempo todo, por que não haveria de acontecer com ela, que se sentia mais poderosa do que nunca naquela noite? Por um instante lhe ocorreu que a abordagem podia partir também de algum psicopata ou assassino em série (isso eventualmente acontece em alguns filmes), e neste momento parou o carro no acostamento por uns segundos para colocar o spray de pimenta que carrega no porta-luvas na bolsa. “Seja como for, viverei emoções intensas esta noite, e se algum mal intencionado se aproximar de mim, usarei meu spray de pimenta e não correrei maiores riscos!”.

Alguns minutos depois, Suze chegou à congestionada rua do bar. Já estava ficando impaciente com a interminável fila do valet quando finalmente um moço esbaforido abriu sua porta e jogou no seu colo um papelzinho com a placa do carro anotada. “20 reau. Paga agora!”, disse o moço, numa agonia tão grande para levar logo o carro sabe-se lá pra onde que Suze desceu às pressas, meio que tropeçando e se encolhendo para não deixar cair o celular, a bolsa, o papelzinho. Avistou um amontoado de pessoas e se enfiou lá no meio até conseguir pagar os ‘20 reau’, aproveitando para perguntar onde era a entrada, momento em que um outro moço mal humorado apenas apontou para uma fila tão grande que não se podia enxergar o fim.

Resignada, Suze caminhou com a melhor classe que pode através da calçada esburacada até encontrar o fim da fila. E como tinha gente! “Pelo menos tem muita gente bonita, como o Google disse!”, pensou enquanto tomava seu lugar na fila, mas então começou a observar que estavam todos em grupos médios e grandes, ou casais, e por um momento sentiu um fiapo de frustração. Teria sido mesmo uma boa ideia sair assim, sozinha?

Uns 40 minutos depois, seus pés já doíam e Suze já se arrependia de ter escolhido justamente aquele sapato de salto altíssimo que não usava há tanto tempo, mas a chegada à portaria do bar lhe trouxe fôlego novo. “Vamos lá! A hora é essa!”. Empinou o nariz e se identificou ao grandalhão que anotava os nomes numa prancheta, pegou seu cartão e finalmente entrou no tal lugar “da hora”.

Quer dizer… entrar não foi bem a palavra, pra falar a verdade. Porque o lugar estava tão abarrotado de gente que Suze precisou se enfiar entre as pessoas pra conseguir se afastar da portaria no sentido do seu interior, e demorou um tempo – enquanto sentia vários pisões em seus pés – pra enxergar onde ficava o balcão do bar. Espremeu-se mais um pouco entre grupos que dançavam animados até chegar perto daquilo que mais parecia uma fila de distribuição de comida na Etiópia do que um bar.

Era uma cena de horror, e não lembrava em nada os bares requintados dos filmes onde pode-se beber um Cosmopolitan despretensiosamente. Pessoas montavam umas sobre as outras aos berros para que os bartenders lhes dessem atenção e anotassem seus pedidos. Suze teve medo de se aproximar, e ficou nos arredores, esperando algum grupo se dispersar para finalmente tentar se encostar. E demorou.

Tempos depois lá estava Suze, encostada num cantinho do balcão do bar, espremida entre os outros que iam e vinham, tentando manter a classe com seu drink em punho, mas nem de longe como as elegantes moças dos filmes fazem, até porque não tinha espaço pra isso. Quando já estava terminando sua bebida, um bartender afobado perguntou se ela queria mais alguma coisa, e quando ela fez que não com a cabeça ele a olhou de maneira estranha, como se ela não pudesse ficar ali a menos que fosse pedir outra bebida.

Uma banda legalzinha começou a tocar e, neste momento, houve um certo alívio na região do balcão do bar. Suze se ajeitou, arrumou a postura, acomodou-se de costas para os bartenders e percebeu que, sim, haviam vários olhares em sua direção, mas não pareciam olhares de admiração como imaginara. Pareciam mais olhares de espanto, talvez de piedade. Um garçom passou por ela rapidamente, em seguida voltou e perguntou: “A senhorita está esperando alguém?”. Suze ficou meio brava com aquela xeretice, mas apenas respondeu que não, ao que o garçom e algumas outras pessoas que ouviram a resposta fizeram uma cara estranha, seguida de um sorrisinho amarelo.

Definitivamente aquela noite não estava nada parecida com as cenas dos filmes nos quais Suze se inspirou. As pessoas podem ser bem impiedosas com apenas alguns breves olhares, e num dado momento, Suze não sabia mais nem onde colocar as mãos, tamanho seu constrangimento. Olhou para o relógio e se deu conta que passara apenas 15 minutos que estava de fato dentro do lugar, e por mais que tentasse negar para si mesma, a verdade é que não via a hora de sair pra sempre dali.

Tentou se recompor, foi ao banheiro, deu uma circulada, arriscou chacoalhar o esqueleto ao som da banda, mas tudo que conseguia ver eram olhares de curiosidade, como se ela fosse uma alienígena solitária perdida num planeta distante. Pediu outro drink, mas quando se deu conta, antes mesmo de termina-lo, já estava na fila do caixa desesperada para pagar aquele fiasco e se ver longe dali. Os drinks mais caros e mais indigestos da história! O equivalente a rasgar notas de R$ 100,00.

Ao sair, teve que se enfiar novamente no meio do amontoado de gente que circulava a barraca do Valet – gente que estava chegando ao local – e falar várias vezes num tom de voz mais alto do que pretendia até que o moço mal humorado entendesse que ela não estava chegando, mas saindo, e queria apenas que trouxessem seu carro. “Vixi, mas já vai sair? Vai dar um trabalho aqui pra nossa organização agora, a senhora vai ter que esperar um pouco!”.

Quando seu carro chegou, uns 20 intermináveis minutos depois, Suze jogou-se no banco e arrancou antes mesmo de colocar o cinto de segurança (coisa que fez no quarteirão seguinte). Não dava conta de permanecer mais um único minuto naquele meio. “Quando foi que a noite paulistana se transformou nesse covil de pessoas cheias de amigos que não são capazes de lidar com a figura de uma mulher sozinha que quer apenas se divertir?”

Definitivamente, a vida de uma mulher sozinha que quer se divertir não é fácil! Definitivamente, a vida não é um filme! Tanto não é que apesar a frustração daquele momento, ao invés de ir pra casa chorar a frustração de uma noite que deu errado abraçada aos seus travesseiros, como fariam as estrelas de cinema, Suze foi arrebatada por uma fome absurda, e terminou a noite impecavelmente arrumada e comendo um suculento Big Mac num McDonald’s 24 horas da região, com direito a esguicho do sachê de catchup no seu tubinho preto e bigode de milk shake.

Suze agora pretende ir para Hollywood, nem que seja para algum bar fictício de cenário de filme. Porque tomar um cosmopolitan elegantemente e flertar é questão de honra! E ela sabe que tem esse direito!

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