Antônia era uma jovem como qualquer outra beirando os 18 anos, com pouco mais de 1,60 m de altura, cabelos lisos e castanhos, olhos claros, quase verdes, pele rosada, pés e mãos pequenas, unhas bem feitas e um sorriso, que apesar de pouco conhecido, era perfeito.

Antônia não costumava sorrir, na verdade não sorria com a boca, nem com o corpo e muito menos com os olhos. Era uma garota inteligente, mas infeliz.

Antônia tinha um problema que para ela era o pior defeito do mundo. Cá entre nós, não acho que isso seja um problema, pois conheço muitas, mais muitas pessoas com esse tipo de “problema” que são muito felizes e levam a vida muito melhor do que muitos de nós, mas para ela isso era um problemão.

Olhar no espelho era reafirmar seus 100kg de problema todos os dias, e isso a incomodava demais. Tanto que ela não gostava de ir às compras como muitos de nós gostamos, nem de ir até a padaria no final da tarde. Para ela quanto mais tempo dentro de seu quarto melhor. Assistia filmes, lia muito – o que a deixava muito mais inteligente do que outras pessoas, não comia demais, mas era um fato, não conseguia perder peso, por mais que malhasse, diminuísse o arroz e eliminasse os doces ela continuava gorda.

Certo dia, sua mãe pediu-lhe que fosse até o correio postar algumas correspondências, com uma má vontade daquelas e muito a contragosto, levantou-se, colocou uma calça bem larga e uma blusa que já não estava tão larga assim e foi.

Para sua surpresa no meio do caminho avistou um prédio em construção, Antônia espantou-se, há tantos anos morando ali e nunca havia observado aquela construção, talvez estivesse mesmo precisando sair da sua gaiola. Ao passar pela obra, olhou para o alto e o sol fez arder seus olhos, ficou tonta com a altivez do prédio e avistou pontinhos lá no alto, pareciam formigas, mas não eram, pois, falavam:

– Ei gatinha!

– Psiu!

– Fiu-fiu!

– Ei gostosa! Olha aqui!

Antônia olhou em volta, olhou para cima e para baixo, ao redor das ruas, nas casas vizinhas, nas janelas e não avistou ninguém. Será que esses elogios eram para ela? Olhou para cima e um dos pontinhos acenou. Antônia acelerou o passo e seguiu seu caminho, na volta passou bem longe dali, mas chegou em casa diferente.

No dia seguinte, saiu de sua gaiola cedo e foi até a varanda, viu o céu azul lá fora e observou que podia ver parte da construção dali. Sua mãe pediu a ela que fosse até a padaria e sem pensar duas vezes ela aceitou o pedido. Colocou uma bermuda e uma blusa colorida, escovou os cabelos e passou um batom.

Fez questão de passar pela obra, e novamente ouviu os elogios e as cantadas grosseiras, olhou ao redor e ninguém. Sim Antônia, são todos para você!

Chegou em casa com um meio sorriso nos lábios e olhou-se no espelho. Assustou-se com o que viu. Observou ali, no reflexo de sua imagem uma garota alegre, de pele perfeita e um sorriso lindo, tudo bem que um pouco acima do peso, mas ela era bonita sim e isso ninguém poderia negar.

As semanas foram passando e Antônia começou a oferecer-se para fazer pequenos favores para a mãe, um dia o supermercado, outro o banco, outro a padaria e assim todos os dias passava pela obra, cada dia mais arrumada e bonita. Continuou ganhando seus elogios e isso lhe dava forças para buscar novas e boas coisas para sua vida. Fez novas amizades, entrou numa aula de dança, aprendeu a tocar violão e ganhou um sorriso aberto e gostoso de ouvir.

Alguns meses depois, enquanto dormia profundamente, foi levada para uma bolha de cristal em um mundo muito colorido. Acordou assustada e sem entender o que havia acontecido, foi quando um pontinho apareceu ao seu redor e disse:

– Você terá um pedido realizado, mas pense bem, é um único pedido. Cuidado com o que deseja, pois irá se realizar.

Antônia, pensou, pensou e pensou. Podia pedir riqueza, sabedoria, amor, mas não, ela já sabia o que queria! Antônia ficou extasiada de alegria, enfim alcançaria seu grande objetivo.

– Decidiu-se?

– Sim! Eu quero ser magra.

– Seu desejo é uma ordem!

O dia raiou e Antônia abriu os olhos com a sensação de que tinha renascido. Aos poucos foi se lembrando do sonho, do pedido e sorriu. Que bobagem, como se as coisas fossem simples assim.

Levantou-se, sentindo-se leve, e olhou no espelho. Meu Deus! Ela estava mesmo magra! Olhou no calendário e observou que os meses tinham passado como num piscar de olhos.

Procurou sua mãe e ela agiu como se nada tivesse acontecido, ficou surpresa com o susto da filha ao dizer-se magra. Antônia sempre foi assim. O que será que deu nessa menina? Pensou a mãe.

Vestiu-se com alegria, maquiou-se e foi até a obra. Passou pela frente, foi, voltou e nada. Nenhum assovio, nenhum elogio, percebia apenas os olhares de cobiça de alguns transeuntes, olhou para cima e nada de encontrar os pontinhos, foi quando percebeu que a obra estava acabada, prontinha, bem ali, fechada, com placas de vende-se e aluga-se.

O sorriso saiu de seu rosto, não conseguia acreditar que nunca mais ouviria aqueles elogios da obra, queria tanto que os pontinhos a vissem, assim, magra. Queria tanto que eles a olhassem com seus novos olhos.

Decepcionada, Antônia voltou para casa, na triste certeza de que nunca mais veria aqueles pontinhos, com quem tanto gostaria de compartilhar seu amor-próprio. Amor este, mostrado a ela pelos olhos míopes dos operários daquela obra.

*Taline Libanio é assistente social e colaboradora do Jornal Democrata, de São José do Rio Pardo. Mais textos de Taline no blog Idas e Vindas da Vida

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