Não sei se já tive a oportunidade de comentar, mas faço fonoterapia há dois anos. Descobri depois de vinte e quatro anos que tenho dois probleminhas na prega vocal esquerda que me obrigam a assumir este entediante compromisso semanalmente.

No início achava ridículo ficar sentada por 45 minutos na frente da fonoaudióloga, inspirando e expirando, encostando a língua no céu da boca, e vibrando os lábios. Comecei a entender a importância dos exercícios, que no início me tiravam grandes risadas, quando consegui resolver um dos problemas sem a necessidade de remédio ou cirurgia.

Mas como o outro probleminha ainda está aqui, preciso testar minha paciência semanalmente e encarar com coragem as sessões de fono. A minha fono já se tornou uma querida colega, e o consultório, local de confissões e contação de histórias que fazem o intervalo dos exercícios mais animados.

A clínica onde frequento tem 90% de seus atendimentos voltados para o público infantil. Crianças que nem aprenderam a falar direito passam por lá porque os pais acham que estão gaguejando. Outras que apresentam visível troca de letras na fala, sem contar aquelas que parecem ter inventado uma nova língua, de tão confusas.

Todo dia que entro e sento na sala de espera as crianças me olham com os olhos arregalados, e puxam os brinquedos para perto de si, como se pensassem: Aqui não! Você já está bem grandinha.

Mas eu não me intimido. Faço questão de sentar no sofá colorido e observá-los enquanto montam foguetes, robôs e até carros com os cubos que ficam inteiramente à sua disposição. Outras preferem os livros infantis, observando atentas as figuras, enquanto as mães mais atenciosas lêem com cuidado o texto que as descrevem.

Certo dia, alguns minutos depois da minha chegada, entrou na sala uma jovem mãe, carregando nos braços seu filho Pedro, com quase três anos.

Pedro parecia extremamente confortável no colo da mãe e relutou a sentar-se no sofá. Mas logo foi encantado pelos brinquedos e desligou-se da mãe, mas não da nossa conversa.

Iniciamos um diálogo que rendeu boas risadas:

– Você está esperando seu filho?

– Eu?! Não, não. Eu faço tratamento aqui.

– Ah, desculpe. Não sabia que eles atendiam adultos.

– Pois é, nem eu.

Rimos da situação e iniciamos uma gostosa conversa sobre o universo feminino e as crianças de hoje em dia, logo depois dela me apresentar a dificuldade na fala de seu filho e eu meus dois probleminhas.

Dei muitas risadas com as histórias que ela me contou de Pedro, que vive a surpreendendo com perguntas e ações inimagináveis, exceto claro, para a mente de uma criança.

Enquanto ela me dizia que iria passar por uma cirurgia para redução do estômago na semana seguinte, Pedro que olhava atento para os cubos coloridos na mesa, encaixando com dificuldade suas peças, olhou para ela e disse:

– Eu vou também mamãe?

– Vai aonde filho?

– Na redução.

Foi inevitável rir. Depois de passadas as gargalhadas, ela pegou Pedro no colo e lhe explicou o que era o hospital, o procedimento cirúrgico e disse que ele não poderia acompanhá-la. Pedro fechou o semblante e disse:

– Mas se eu não posso ir, por que você quer ir?

– Não é querer Pedro, a mamãe precisa fazer isso.

– Mas por quê?

– Por que a mamãe precisa emagrecer.

– Mas por quê?

– Para poder brincar mais com você, jogar bola, correr. Você não vai gostar?

– É… Mas sabe do que eu mais vou gostar mamãe?

– Do que meu filho?

– É que quando você ficar magrinha, vou poder abraçar você todinha!

A conversa acabou num longo abraço de mãe e filho, enquanto Pedro tentava juntar as mãozinhas ao abraçar a mãe, sem sucesso.

Que bela lição de vida estas crianças nos dão. Longe da ditadura da beleza, vivem em um mundo onde o colo obeso é confortável e acolhedor, e a única vantagem de ser magra é poder ser abraçada por inteiro.

Que o Pedro cresça com saúde e continue tratando todas as mulheres assim, com esta delicadeza, com este olhar interior que é tão raro nos dias de hoje.

*Taline Libanio é assistente social e colaboradora do Jornal Democrata, de São José do Rio Pardo. Mais textos de Taline no blog Idas e Vindas da Vida

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