In·vi·sí·vel
adjetivo1. Que não se vê ou não pode ser visto.
substantivo masculino2. O que não se vê.
“invisível”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013.
Não parece irônico que uma pessoa gorda, tão rechaçada por seu tamanho volumoso, tão visivelmente “maior”, carregue dentro de si o fardo da invisibilidade? Quando o olhar não é de espanto e julgamento, com ares de repulsa, o indivíduo que carrega em si mais tecido adiposo é, frequentemente, ignorado tal qual um mendigo sentado na calçada pedindo esmola. Tornar-se parte da paisagem é um fenômeno social que atinge, principalmente, mulheres gordas. Em uma sociedade patriarcal e machista como a nossa, mulheres ainda são escolhidas – na maioria das vezes – pela aparência.
Ao homem gordo cabe a figura paternalista, protetora; o grande homem, o urso. Tudo bem ser gordo, forte, grandão. O julgamento é mais raso e superficial – isso quando acontece. À mulher cabe o fracasso, o desleixo, a falta de amor próprio e a incapacidade. Ora somos julgadas apenas por um olhar que atravessa qualquer pensamento, ora sequer somos vistas. Passam por nós da mesma forma como passam pelos pedintes espalhados pelas ruas. A invisibilidade social é um fenômeno bastante reforçado na atualidade, pois quanto mais o culto ao corpo é praticado, menos esse grupo específico de pessoas é visto. Tidas como derrotadas, coitadas e dignas de pena, muitas mulheres que carregam dentro de si o fardo da invisibilidade se anulam perante à sociedade e se culpam, especialmente e sem piedade alguma, por seus fracassos amorosos.
Eu passei por esta fase, inclusive anos atrás escrevi sobre isso aqui no blog. Quantas vezes culpei a minha aparência pelos meus fracassos amorosos? Levou um bom tempo, e precisei de muita terapia, para entender que o problema estava no meu agir e pensar, não na aparência em si. No entanto, tentar ignorar a invisibilidade é querer tapar o sol com a peneira. Em um grupo de mulheres que administro, uma desabafou:
“Aos 35 anos não tive a sorte de encontrar alguém que me amasse. Tenho consciência que ser GORDA está atrapalhando demais eu encontrar um namorado. Nunca me casei e tenho muita vergonha dessa situação… Sejamos realistas: poucos homens aceitam namorar uma gorda. Esta é a realidade. Desde que engordei nunca mais fui olhada e desejada.”
Foi por causa dessa mulher que estou aqui, redigindo estas palavras. Eu já pensei como ela e já experienciei as mesmas sensações. Esses pensamentos percorriam minha mente como uma criança presa em um labirinto tentando encontrar a saída. O problema realmente está, em 90% das vezes, no comportamento do indivíduo e não na aparência, mas há uma parcela de homens que jamais considerariam uma mulher acima do peso como a parceira ideal, mesmo que ela tivesse atitudes, caráter e inteligência excepcionais. “Mas eu é que não quero ficar com um cara que me queira apenas pelo meu corpo”, você vai pensar. Nem eu! Costumo dizer que nascemos com um filtro natural – e que bom – mas isso não exime a invisibilidade social de acontecer.
A moça, em questão, comentou que está considerando a cirurgia bariátrica como alternativa para sanar o “problema”. Ela não quer mais ser invisível; ela quer ser vista, admirada e desejada. Bauman, meu teórico favorito (sociólogo e filósofo), tem um pensamento que, para mim, define bem o momento que vivemos. Ele explica que o preço de algumas mercadorias se dá de acordo com a ostentação e o retorno emocional que ele gera a quem consome. Mulheres, especialmente as condizentes com o padrão de beleza atualmente estabelecido, ainda são tidas como objetos que definem o valor que o homem tem. Se ele se relaciona com uma mulher bonita, que desperta outros olhares, a sensação de posse de um bem desejado pela sociedade reforça para ele seu valor e poder, enquanto aqueles que valorizam o caráter, o comportamento e a mulher como um indivíduo total e não fragmentado, são tidos como indivíduos medianos, comuns, a não ser que ela também seja muito bonita – dentro do padrão estipulado, claro!
A tristeza que sinto pelas pessoas invisíveis é profunda, pois seres humanos jamais deveriam dar à aparência um valor superior à essência. Que presente é esse que vivemos e que futuro é esse que estamos construindo? Que valores priorizamos e que incapacidade é essa que temos de lidar com nossos próprios dilemas, pois temos tido necessidade de projetar no outro um arquétipo de modo a validar e reforçar quem somos, já que nós, por nós mesmos, acreditamos não ser suficientes. O ter e o possuir andam de mãos dadas com a ostentação. Se você quer o que eu tenho, logo meu valor é superior ao seu.
Indivíduos vazios, construindo casas em barrancos sem sustentação, prestes a desabarem com uma chuva de verão. A tempestade do ser invade águas profundas que muitos preferem ignorar. Pegam suas lanchas, seus iates e saem por aí se exibindo em águas calmas, mas às vezes o que parece inofensivo pode ser um iceberg que se esconde. E se até o Titanic afundou, pode ter certeza que um dia os praticantes da invisibilidade irão afundar em seus barquinhos de mediocridade. A beleza que habita as profundezas do oceano está exposta apenas para os dispostos a mergulhar e quem se aventura em águas profundas sabe dizer que esse encontro é maravilhoso. Depois de ver as maravilhas e a dimensão do fundo, olhar apenas para a superfície sem pensar no todo torna-se quase impossível. Como minha mãe costuma dizer, “se não é pelo amor, é pela dor”.