A ilusão do corpo gordo perfeito

Dias atrás, quando palestrei no FWPS, comentei com os lojistas sobre representatividade e a importância de termos modelos dos mais variados biotipos porque existem muitas variedades de corpo gordo. Acreditem: dei a dica bem mastigada para eles e falei a real do que a gente pensa, sente e quer, mas agora preciso falar do outro lado da moeda e esse lado é com vocês. Enquanto eu palestrava, dei o exemplo de algo que aconteceu também recentemente com a blogueira Ju Romano: ela postou uma foto em que a barriga dela ficou “mais marcada” e um monte de gente foi lá dar palpite ou dizer que estava feio porque estava marcando. Peguei esse exato exemplo para falar sobre como as mulheres criaram uma ilusão de um corpo gordo perfeito. Não é um pouco óbvio que uma mulher acima do peso que use uma saia agarrada vá ficar com a barriga marcando? “Mas tem gorda que usa e não fica assim”, talvez você me diga.  Sim, concordo que essas mulheres existam e a maioria delas, inclusive, é o que o mercado vem buscando para ser modelo plus size: essas mulheres têm quadris largos e barriga praticamente chapada, aí a gente vê nelas as saias justas e, quando uma gorda real vai usar, claro que fica diferente: aí vem o choque!

A Kalli do blog Beleza Sem Tamanho escreveu hoje um post muito bom falando sobre como as modelos plus size quase nunca são gordas e eu endosso tudo o que ela disse. Bati muito nessa tecla com os lojistas, mas veja bem: será que nós consumidoras estamos realmente preparadas para lidar com mulheres gordas de verdade (e nem me refiro ao manequim, mas sim a dobras, estrias, celulites, barriga marcando e etc) como nossas modelos? Eu já escrevi um texto aqui no blog fazendo essa reflexão no passado e muitas mulheres admitiram que sentem essa dificuldade. De uma certa forma, se você parar pra analisar, é a mesma coisa com as magras: a mulher magra não é como a modelo magra. Ela olha aquela mulher e se inspira, quer ser como ela. Com as gordas estão fazendo a mesma coisa ou você acha que eu não me contorço na cadeira quando vejo aquela “gorda” de quadril largo, barriga mínima, peitão, cinturinha e coxa grossa? Poxa, meu sonho ser assim, sabe…

+ Veja também: Representatividade gorda: você está preparada para modelos realmente plus size?

O mercado plus size está expandindo na base da comercialização e lucro, mas são poucas as marcas que são realmente engajadas e preocupadas em vestir a mulher, com seu bem-estar psicológico, que querem usar a moda como uma atividade social de reestruturação do valor feminino. Para ser modelo plus existe sim um padrão, infelizmente, e a maioria não se encaixa. Eu não poderia ser modelo, por exemplo: tenho barriga protuberante, estômago alto, costas largas, peito mediano pro meu tamanho, não tenho quadril, tenho pouca bunda, alergias que marcam minha pele quando estou em crise e uso aplique porque tenho uma doença no cabelo: não, eu não tenho o perfil. Eles querem, na verdade, uma mulher que eu – bem particularmente – “categorizo” como curvilínea. Essas mulheres estão ali no 44, 46 e 48 e não sentem a mesma dificuldade que eu para comprar roupas porque elas têm aquele corpo violão e nós estamos criando monstrinhos porque estamos deixando de olhar para as magras e querer ser como elas para criar um outro estereótipo irreal do que queremos ser: uma gorda perfeita.

Hoje é como se passassem a mensagem: você pode ser gorda, mas uma gorda perfeita. Malhe bastante, deixe suas coxas grossas e seu bumbum empinado, mas faça uma lipo para ter uma barriga o mais reta possível; tenha seios fartos e redondos acompanhados de uma cintura fina que vai fazer de você um lindo violão. Essa gorda você pode ser. Essa gorda está na moda. Essa gorda gera desejo, mas você não. É assim que eu me sinto todos os dias quando vejo as modelos plus size e pode ser gringa ou daqui mesmo: elas têm um padrão e esse padrão é novo e foi se estabelecendo por quem está por trás deste segmento, ou seja, as marcas. Inclusive tem muita modelo plus por aí que tem lipo, ou seja, aquela barriga lisa existe porque houve uma intervenção para isso e aí você fica aí, se xingando, se detestando porque acha que você é toda errada. Tem modelo plus que faz lipo porque é preciso ter um corpo X para conseguir trabalho, porque facilita. Já dei consultoria para várias marcas que me afirmaram que, quando colocaram uma modelo realmente gorda para fotografar não vendeu porque não gerou identificação, então fica aqui a minha pergunta: o que queremos, afinal? Queremos continuar perpetuando um modelo de imagem que seja irreal para que possamos aspirar ser algo que nunca seremos ou aprenderemos a crescer e enfrentar nossos medos e neuras de vez para entender que existem muitos tipos diferentes de corpo e que existe beleza em cada um deles? Não existe um certo e um errado, por mais que te façam acreditar nisso. Simplesmente não existe: certo é ser você, é entender o seu corpo e respeitá-lo, descobrir o que você pode fazer de melhor para valorizá-lo e sentir paz e alegria vivendo em sua própria pele, não querendo ser outra pessoa, entende?

(Meu sonho era ser linda como a Ashley Graham. Se eu tivesse o corpo dela, vish… Tá vendo como é?)

Para finalizar, quero que vocês façam a seguinte reflexão: o mercado é sustentado por nós e as mudanças só acontecerão a partir do momento em que eles perceberem que nós queremos nos sentir representadas, que queremos variedade e que não estamos presas a imagens aspiracionais, mas que sabemos lidar com a realidade e entendemos que temos dobras, barriga, marcas, celulites e estrias. Você acha normal ver uma modelo plus de biquíni toda photoshopada sem nenhuma estria e celulite? Pô, até eu queria ser gorda assim e as pessoas se iludem, esquecem desses truques e efeitos e ficam lá, se comparando e se sentindo o cocô do cavalo do bandido por não serem daquele jeito. O lance é encarar seus medos de frente, é entender que somos todas diferentes, únicas e reais da nossa própria maneira e parar de idealizar algo que você não é e nem vai ser. Seja você mesma, sempre, pois padrões não se vão: eles apenas trocam de roupa e se isso acontece é porque nós mesmas alimentamos esse comportamento.

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