Lembrei-me hoje da raposa do Pequeno Príncipe. Queria muito ter conhecido aquela raposa.

Ela ensinou ao menino o que era cativar alguém, e depois o ensinou COMO se faz, “é preciso ritos”.  Admirável a sabedoria e a paciência dela, mesmo tendo tanta gente usando coletinhos vermelhos ridículos no seu encalço com cavalos enormes e cães ferozes.

Na vida de hoje passamos por cima dos ritos com rolos compressores (pressão) e cavalos velozes (pressa) até que restam apenas partes muito pequenininhas. E será que então as pessoas não se cativam mais?

Em qualquer disciplina de estudo e aperfeiçoamento, seja didática ou espiritual, a primeira grande lição e grau de dificuldade está em se lidar com os ritos, as passagens de um nível para outro. Pode ser um doutorado, pode ser uma cerimônia de iniciação, pode ser um noivado.

Um rito por definição é uma coisa que muda as pessoas que passam por ele dali em diante, um marco. Os ritos requerem preparo antecipado, às vezes roupas especiais, às vezes planos longamente sonhados, e isso os torna tão eficientes em termos de mudar a vida das pessoas.

Mas o que eles significam é simplesmente isso: mudar, ser outra pessoa a partir daquele momento.  Sendo assim, o rito engrandece e valoriza esta passagem, ele comunica aos outros o que aconteceu, e ele nos muda interiormente. É um tipo de alquimia.

Pode haver ritos de conotação negativa, provações, mas não vou entrar nesta seara.

As mulheres, especificamente, passam por mais ritos do que os homens, a primeira menstruação, o casamento, a gravidez. Hoje se criou uma nebulosidade sobre estas mudanças de fases de vida da mulher. Muitas protelam se casar ou temem engravidar para não perder a competitividade dentro do emprego, e uma coisa importante passou a ser vista como negativa.

Os relacionamentos afetivos acontecem de maneira tão rápida e sem cerimônia, que se tornaram insípidos e descartáveis, e o sabor dos antigos ritos se perdeu.  Sem querer fazer apologia à moralidade vitoriana, as pessoas não passam mais por aquelas fases que são o processo de “cativação”. 

Um encontro esporádico ou ansiosamente esperado, um ato de gentileza ou de atenção, um olhar diferente. Tudo isso fazia parte da corte de antigamente, e com certeza ela era lembrado como um rito.  Havia os prólogos, a ansiedade, a espera, a preparação, e o sabor do acontecimento era lembrado depois de todas as formas. É bem diferente você imaginar um vestido de noiva e acompanhar os detalhes de sua construção, de você ir à uma loja e provar 50 vestidos para alugar.  Pode haver mais praticidade, vantagem financeira e variedade, mas aquele vestido não é O SEU.

Não adianta nada proceder a um rito apenas pro forma, sem estar envolvido intimamente, sem mergulhar naquela atmosfera e respirar aquele ar.

Um exercício interessante para saber quais foram os momentos de mudanças em nossas vidas é tentar se lembrar detalhes destes eventos. Quanto mais detalhes acompanharem as memórias, mais alquimia se realizou.
E se a lembrança vier acompanhada de um suspiro de saudade, é porque houve um rito de verdade, e alguém foi cativado.

Comentários

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Um comentário

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Já li esse livro do pequeno príncipe e gosto muita dessa passagem da raposa
“você é responsável por aquilo que cativas ”

tudo de bom

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