Um passado de repreensão, frustrações e dificuldades ligadas à obesidade e o atual deslumbre com as facilidades ofertadas pela “magreza”

Antes de escrever este texto, eu rezei. Pedi a Deus que me desse a sabedoria e discernimento de conseguir comunicar aquilo que realmente era preciso. Mais do que ser entendida, quero ser compreendida. Não pense que fazer esta síntese do que está dentro de mim foi fácil. Ela mexeu com inúmeras feridas, me estapeou a cara, me deu alguns nocautes. Levei semanas para conseguir digerir o que queria escrever. Precisei de coragem, pois não sei o que virá depois desta publicação. Este texto tocou em meus princípios, valores e talvez você possa não acreditar no que irei dizer. Talvez não queira acreditar, mas de uma coisa eu sei: Esta é a MINHA verdade e eu serei transparente e honesta como sempre fui. Senta que lá vem textão!

Tudo começou com a calça 42

Percebi que, desde que fiz um post anunciando que tinha entrado em um jeans 42, muita coisa ruiu. De lá pra cá comecei a perder seguidores, fui atacada na internet e até leitoras bem próximas e queridas vieram me questionar e dizer que estavam chateadas. De verdade, naquela ocasião só quis compartilhar algo que, para mim, era totalmente novo. Por ser muito alta (1,80m) e grande, nunca na vida imaginei que entraria em uma calça que, para mim, já é bem pequena. Me espantei real e o episódio, para mim, reforçou o quanto eu tinha e tenho distorção de imagem. Não era uma comemoração de “sou foda, sou magra, sou padrão e posso usar 42 e você não”. Já escrevi, inúmeras vezes, que manequim não define nada. Quem usa 42 não é melhor do que quem usa 52 e ponto: Essa é uma verdade. Eu fiquei tão perplexa e desacreditada que resolvi compartilhar com vocês. E fiquei feliz também, claro, pois fiz a cirurgia no intuito de recuperar minha saúde e mudar minha vida. Diminuir um manequim é, no caso de quem passou por um processo tão difícil como o de uma cirurgia bariátrica, uma vitória, pois é um sinal que seus esforços e dedicação estão dando resultados.

Eu realmente operei por saúde. Digo a vocês que até o meio do ano de 2016 eu estava bem de boa, me amando e me aceitando. Tudo certo na vida da Paula militante, lacradora, empoderada, a gorda que usava uns looks fodas e inspirava um monte de gente. Guardem aí. Foi lá pra agosto de 2016 que comecei, do nada e de forma cavalar, a engordar muito rápido. Fechei o ano de 2016 chegando a ver 138kg marcados na balança e um diagnóstico de pré-diabetes (hiperinsulinemia) que me destruiu o psicológico. Comecei a me sentir realmente doente. Entrei em tratamento clínico, gastei rios de dinheiro com remédios, academia, personal trainer e nutricionista. Estava com dificuldades de me locomover por distâncias maiores; me limpar e lavar as partes íntimas estava, de repente, difícil e exigindo muito de mim; fazer atividade física parecia ser a morte, pois eu não aguentava mais nada. Emagreci um pouquinho e voltei a engordar tudo de novo, mesmo fazendo tratamento. Meu corpo não respondia mais e outro agravante veio: A hipertensão. Aí eu quebrei. Aí eu chorei feito criança e as idas ao hospital começaram a aumentar, pois comecei a ter vários piripaques. Documentei muito disso nos stories do Instagram na época.

O sorrisinho amarelo e o olhar ressabiado que eu passei a ter depois que a minha saúde ruiu e comecei a engordar descontroladamente

Em 2017 e 2018 meu comportamento mudou bastante. Praticamente toda semana tinha um desabafo meu chorando nos stories. Estava sempre triste, pessimista, chateada. O sorriso nas fotos era amarelo. Já nem tinha muito mais vontade de fazer posts de “look do dia” porque as minhas próprias roupas não cabiam mais. Não conseguia mais me enxergar nas fotos. Estranhava todas, mas não sabia o que estava acontecendo (aí já era a distorção de imagem quicando, mas falarei sobre isso já já), não via a Paula do espelho ali, parecia outra pessoa na foto e eu ficava confusa. A verdade brutal é que eu estava tão chocada com tudo que estava acontecendo comigo que precisei me ancorar, cada vez mais, naquilo que eu escrevia, defendia e acreditava. Eu estava desolada, não me sentia mais bem. Tinha que me autoconsolar e cada vez mais afirmar, para mim mesma, que meu valor não estava na minha aparência. Não me sentia bonita, nem feliz. Voltei a ter que me convencer todos os dias que meu valor não estava na minha aparência, que eu não era apenas um número – que aumentava na balança sem dó nem piedade por conta dos meus problemas de saúde. Foi como se eu tivesse perdido todo o amor-próprio e aceitação que tinha chegado a conquistar porque eu sucumbi. A balança me assustava, as fotos me assustavam porque eu não me enxergava nelas, diante do espelho eu me via “mais magra”, as dificuldades no dia a dia aumentavam por conta do sobrepeso e eu tentando entender tudo que estava acontecendo comigo, morrendo de medo. Me perdi de mim e a tristeza me invadiu de uma forma que era visível nas minhas redes sociais, por exemplo. Naquela época recebia muitas mensagens de pessoas dizendo pra eu buscar ajuda, que eu chorava e desabafava muito nos stories, que era até deprê me assistir. Lembro disso como se fosse hoje!

A decisão que mudou tudo

Decidi encarar a cirurgia depois de receber o diagnóstico de hipertensão. Ter que tomar mais remédios diariamente acabou comigo. Aquele dia do diagnóstico eu saí do consultório médico querendo morrer, essa é a verdade. A minha endócrino é a médica mais humana e parceira que já conheci e ela me deu todo o apoio e respaldo para que eu não me sentisse mal, sozinha ou desamparada. Ela conversou comigo sobre todas as possíveis formas de tratar isso, mas eu já estava em tratamento há dois anos e meu corpo não estava mais respondendo. Eu, que até então era meio aversiva à ideia da bariátrica soltei pra ela: “E se eu fizesse a bariátrica? Poderia me curar?” E foi a partir daí que fui atrás da cirurgia, operei e todo o resto vocês já sabem. Vou para o foco do texto, senão isso aqui vai virar um livro!

Operei. As pessoas até que encararam bem. Como expliquei acima, foi a partir do post da calça 42 que as coisas começaram a mudar. Me observando, conversando com amigos próximos que me conhecem muito bem e recebendo feedbacks de leitoras que me seguem há anos e acompanharam todas as minhas fases, ACHO que comecei a entender o que está acontecendo. Vocês merecem ouvir de mim o que ACHO que está se passando. Quando digo “ACHO”, não é porque quero fazer a “isentona”, a vítima ou a desentendida. Sempre banquei tudo o que falo. A diferença é que agora estou passando pelo processo mais doido da minha vida e ainda estou toda perdida, mas algumas fichas começaram a cair. Conforme eu for me entendendo, irei abrindo pra vocês o que estou aprendendo, sentindo e pensando porque vocês merecem saber de mim o que se passa.

Ex-gorda escrota

Como diz minha amada prima psicóloga, vou falar “sem vaselina”. Quando eu era mais gorda achava que alguns bariátricos viravam ex-gordos escrotos. Isso rola muito, inclusive. As pessoas têm muito essa ideia de que quem opera depois vira gordofóbico e ex-gordo escroto. Vou falar agora o que eu acho que rola, que é o que tenho tentado processar desde que operei: Ser magro ou mais magro é fácil. Ser gordo é difícil pra caralho! Eu nunca tive uma fase mais magra na vida. Eu nunca fui magra, nem por 30 segundos. Nasci e cresci gorda, obesa. Nunca soube o que era usar a roupa da moda de uma loja convencional; nunca comprei roupa sentindo felicidade porque era sempre um parto achar algo que eu quisesse (até a moda plus size evoluir, ok); nunca era a escolhida pelo cara que eu gostava; me enfiei em vários tipos de relações abusivas para ser aceita, para me reafirmar, me validar. Infelizmente ser gordo é difícil demais porque a sociedade não foi feita para nós (eu ainda me considero/vejo mais gorda do que magra, nem sei o que sou, então falarei assim). É preconceito, é falta de acessibilidade, de recursos, de humanidade, de empatia; é ser julgado a todo momento, olhado torto. A sociedade tem que mudar e enquanto ela dá passos de formiga para que isso aconteça, é sim mais fácil se encaixar dentro do padrão que ela estabeleceu porque a vida fica um pouco mais fácil e você se deslumbra.

Você se deslumbra com a possibilidade de ter 5 encontros em uma semana porque agora os caras têm interesse em você, porque agora eles não sentem mais vergonha de sair com você; você se deslumbra com caras lindos querendo sair com você sendo que antes eles jamais olhariam pra você; se deslumbra ao conseguir comprar roupa em qualquer loja e saber que se aquela peça ficar grande ou pequena, é só pedir outro tamanho de manequim que tem ali mesmo. As pessoas não evitam mais sentar ao seu lado no banco do ônibus, do avião e do metrô, inclusive você não precisa mais sofrer pra caber no assento do avião e nem pedir o extensor de cinto. Ninguém fica mais te olhando torto enquanto você come um hambúrguer; ninguém diz que você é corajosa de sair na rua de cropped; médicos já não colocam a culpa de tudo que você tem e sente no peso; sua capacidade em uma entrevista de emprego não é mais preterida pelo seu peso.

As facilidades de ser magro ou mais magro são inúmeras porque a sociedade foi feita para esse modelo de pessoa. E ela está errada, o padrão dela precisa mudar porque não é inclusivo. Vou morrer dizendo o que sempre disse: Ninguém é gordo porque simplesmente quer e come feito um doido – porque essa é a imagem que a maioria tem de nós, né? Passei a minha vida descontando tudo na comida porque desde criança aprendi que comer era uma forma de me sentir amada e consolada. Isso nem vem ao caso agora, mas eu, particularmente, acredito que o problema da obesidade em 90% das pessoas tem mais a ver com fatores emocionais do que físicos. Não é todo mundo que tem o privilégio de ter acesso a um psicólogo, médicos, tratamentos e etc. A maioria das pessoas passa por isso sozinha. A maioria delas nem entende o que acontece. Boa parte dessas pessoas vai provavelmente morrer sem entender a causa da sua obesidade. Eu só descobri muito do que acontece comigo – porque as descobertas ainda acontecem – quando fui fazer uma terapia mais específica pré-bariátrica que era bem focada na questão da obesidade. E olha que faço terapia desde uns 5 anos de idade e, ainda assim, não conseguia descobrir o que acontecia comigo. Então não, não é fácil. E às vezes nem é uma questão do psicólogo não ser bom: às vezes é um processo tão difícil que a pessoa sequer consegue entender, falar sobre, sentir ou enfrentar o que sente. Eu mesma já repeli muitas psicólogas em momentos que elas vinham questionar alguns comportamentos meus relacionados à obesidade dizendo que não queria falar sobre aquilo agora, que eu tinha outras questões mais importantes para resolver naquele momento e etc: Eu me sabotava muito também!

Eu continuo sendo a Paula que começou este blog, a Paula que não acha que ninguém é definido por um número na balança ou na calça jeans. A Paula que vai brigar com uma marca se ela se posicionar escrotamente como tantas fizeram no passado e eu comprei a briga. Continuo achando que a sociedade é perversa e precisa mudar urgentemente. Continuo acreditando em tudo que acreditava antes, então não, eu não sou falsa, não sou uma ex-gorda escrota ou hipócrita. Eu me deslumbrei com as facilidades, com o tanto de coisa nova que passei a viver. Foi como uma criança que sempre sonhou em ir pra Disney e foi: Chegou lá e ficou maravilhada.

– Por que ir pra Disney é bom?

– Porque é bonito, te faz feliz, é um “sinônimo de status”, são experiências novas. Mas também tem fila pra caramba, você perde muito tempo indo pra cá e pra lá, se cansa, tudo é caro… Nada é só bom, nada é só perfeito. Eu me encantei com o emagrecimento e as facilidades que ele me trouxe? SIM! Eu me comuniquei de uma forma não muito clara e confusa? SIM! Porque eu ainda estou tentando me entender e me achar no meio de tudo isso. São todos os meus valores e crenças do passando encontrando todas as facilidades e “regalias” de agora. É tudo muito confuso, é difícil, é um processo que chega a fundir a mente da gente e acho que só quem passa por isso entende o peso real do que estou falando.

Mas você parece obcecada

Em emagrecer, né? Sim, concordo. Tenho muito medo de voltar a engordar e passar por todas as coisas que passei. Tenho muito medo de voltar a ter problemas de saúde, de ser mais uma bariatricada na estatística do reganho de peso, a fracassada que optou pelo caminho fácil e ainda assim não conseguiu: Porque é isso que as pessoas pensam, que a bariátrica é o caminho fácil, é a escolha do preguiçoso, daquele que não tem força de vontade. O que essas pessoas não sabem é que esse processo da bariátrica é tão foda, é tão NÃO MILAGROSO que você não quer, jamais, colocar tudo a perder porque você teve que fazer um esforço absurdo pra chegar no resultado que chegou. Só eu sei do nível de controle mental que tive que ter durante a dieta líquida, quando meu avó morreu e eu tinha que tomar água de sopa enquanto queria me afogar num prato de macarrão. Só eu sei o quanto decidi rasgar o véu na terapia e realmente, de uma vez por todas, enfrentar meus “demônios” sobre comida para tentar me entender com a alimentação. Só eu sei as feridas que abri, cutuquei e o quanto doeu. Por mais que eu relate, há 11 anos na internet boa parte da minha história, há coisas que só eu sei e saberei.

Hoje entendo porque bariatricados são tão unidos: porque só quem realmente passa pelo processo entende o todo do antes, durante e depois. E é diferente de quem emagreceu sem cirurgia, é muito diferente. Então não é que essas pessoas virem ex-gordos escrotos ou gordofóbicos: Acredito que a maioria, assim como eu, também está vivendo algo novo que nunca viveu e se deslumbre.  A maioria que eu vejo por aí sempre foi obesa. Aqueles que já foram magros algum dia, já faz tanto tempo, que a pessoa nem se lembra mais de como era viver com todas essas facilidades que mencionei anteriormente.

Eu me perdi na forma de comunicar, acho, pensando aqui. Eu estou perdida, na verdade. Não sei se sou gorda, se sou magra. Tenho “sofrido” uma rejeição do plus size, mas também não sou aceita e vista como “magra”. Então o que eu sou? Neste momento não sou nada, é o que parece. Preciso mesmo caber em um rótulo para existir? As pessoas precisam mesmo que eu seja parte de um padrão? Eu preciso ser parte de um padrão? Eu preciso me rotular? São tantas coisas que me questiono e ainda não tenho resposta para nenhuma dessas perguntas.

São muitas questões e o processo é longo. Eu sei que provavelmente irei falhar porque ainda estou perdida no meio de tudo isso. Ainda estou tentando me achar, entender tudo que estou passando, criar um elo com meu passado e presente que seja sólido, real e tudo isso leva tempo porque é uma caminhada que nunca vai deixar de acontecer e de trazer aprendizado. Estou tentando evoluir, melhorar, mas eu também erro. Quero pedir desculpas a você se, em algum momento, eu te fiz sofrer. Se te diz sentir inferior, se mexi em feridas suas que doeram, se te fiz pensar que eu era falsa, gordofóbica ou hipócrita. Não tive essas intenções e tudo, absolutamente tudo que escrevi aqui, no dia de hoje, é a verdade que consegui processar em nível consciente. Pode ser que daqui um ano eu tenha aprendido outras coisas sobre mim e sobre este processo e faça um novo textão, mas neste momento tentei escrever o máximo do que consegui processar sobre a minha história. Ninguém está isenta de errar e o que eu quero pedir a vocês é que também tenham paciência comigo neste processo e me ajudem. Não porque eu sou coitadinha, boazinha, mas porque eu quero aprender: Não quero fazer ninguém se sentir mal, mas em vez de vir me atacar, que tal conversar numa boa e me mostrar o que te magoou e me dar dicas de como eu poderia fazer ou falar aquilo de outra forma? Tem gente que já chega atacando, ofendendo e isso realmente não ajuda, pelo contrário, me faz repelir a pessoa – é o instinto natural. Quem é que quer ser atacado? Por outro lado, quem vem conversar comigo numa boa me faz refletir por horas. É por causa de seguidoras que já fizeram isso que resolvi vir aqui escrever esse textão para tentar explicar o que eu acho que se passa. Elas conversaram de forma tão clara e sincera, sem ataque, apenas me dizendo o que sentiam, que me senti muito triste por tê-las magoado com algumas posturas que tive.

Eu sempre falei da minha vida pessoal aqui e nas redes sociais. Sempre escrevi sobre o que vivo, meus dilemas e experiências. Vou continuar falando da minha jornada de emagrecimento, das coisas que essa experiência tem me ensinado. Eu não sou mais a mesma Paula do passado, não sou mais nem a mesma Paula de ontem, mas como já disse, não deixei de acreditar nas coisas que defendi por tanto tempo. Não vou deixar de celebrar minhas novas conquistas porque, já expliquei, elas realmente têm um significado pra mim. Não vou deixar de falar sobre minha reeducação de alimentar e etc porque isso é minha realidade atual. O que eu quero é pensar na melhor forma de expor tudo isso sem que eu magoe alguém e ainda seja fiel à realidade do que estou vivendo. Não vou mascarar o que sinto ou o que acontece: Isso sim seria falsidade e escrotidão e isso, eu lhes garanto, vocês não terão de mim. Sempre paguei um preço alto por me expor, sempre fui transparente demais e é por isso mesmo que estou aqui tentando explicar sobre as fichas que já caíram, mas tenho certeza que outras ainda cairão.

Estamos vivendo um momento de transição, de reflexão muito profunda. Eu busco sempre ser a minha melhor versão. Estou, na internet, há 11 anos escrevendo pra te ajudar no que puder, mas isso não é uma via de mão única: Aprendo muito com vocês. Tudo é troca, tudo é crescimento, então essa é a minha carta pra você, pra que você tente me entender e colaborar se sentir vontade e quando sentir vontade, mas principalmente é um pedido de desculpas para as pessoas que magoei, pois essa nunca foi a minha intenção, nunca me acharei melhor do que ninguém por ter emagrecido e disso vocês podem ter certeza.

Um beijo com muito amor,

Paula

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