Talvez você não seja essa mulher hoje, mas talvez um dia já tenha sido. Talvez você tenha sido uma parte dela e, talvez, nunca tenha passado perto de ser como ela. Todas nós, de alguma forma, iremos nos identificar com o relato que traduzi abaixo. Se não somos ou fomos esta mulher, conhecemos alguém como ela. Do mais profundo que há em mim peço que você leia este trecho com muita atenção e reflita nele:
“Nós estamos juntos há 20 anos. Eu nunca namorei outra pessoa, mas não há intimidade. Não há anel no dedo. Ele nem quer que a família dele saiba que estamos juntos. Talvez seja o meu peso. Talvez seja uma questão de status, mas ele me mantém afastada de sua família. Eu acidentalmente sentei ao lado de sua irmã em um jogo de basquete e vi seu queixo cair. Nós só fizemos amor uma vez, isso há doze anos. Ele não me beija ou me toca. Eu parei de pedir, mas ele insiste que estamos em um relacionamento. Ele ficou bravo quando tentei mudar meu status de relacionamento para “solteira”. Ele acessou meu computador e mudou rapidamente. Eu disse a mim mesma que eu estava OK com isso tudo. Eu disse a mim mesma que tudo bem não ser tocada, mas acho que não está tudo bem. Recentemente fui a uma terapeuta pela primeira vez. Eu estava tão receosa dele descobrir que parei meu carro um pouco distante do consultório, mas talvez fosse bom se ele descobrisse. Talvez ele me deixasse e me desse uma chance”.
Este depoimento foi divulgado na página do Facebook “Humans of New York” e vi porque minha amiga Milena compartilhou. Ao ler essas palavras, um filme se passou por minha cabeça e eu precisava escrever, precisava digerir isso com vocês porque já tive muito dessa mulher em mim e sei que muitas leitoras também têm ou tiveram. Uma reflexão profunda precisa ser feita porque é pensando e interagindo com outras mulheres que conseguimos quebrar velhos vícios, padrões e comportamentos nocivos a nós mesmas.
Depois de tanto sofrer no lado amoroso da vida me encontro, às vésperas de fazer 34, calma e serena. Eu, que sempre fui a mulher que nasceu querendo casar, de repente entendi que ter um relacionamento sólido não necessariamente fará de mim uma pessoa plena e feliz. Relacionamento é bom, tem coisas incríveis, mas também pode dar muito trabalho e dor de cabeça se vocês não estiverem em sintonia, se não houver respeito, fidelidade, reciprocidade e amor próprio. Se não tem amor próprio é um grande problema porque aí você projeta, mais do que nunca, a responsabilidade do outro te fazer feliz. É como se fosse uma obrigação e a outra pessoa não tem que exercer esse papel porque, felicidade, é também um estado de espírito que tem que ser nutrido por você mesma em primeiro lugar.
As leitoras fieis sabem que já me enfiei em muitas situações abusivas porque queria provar a mim mesma que era capaz de ter alguém, de conquistar. Eu precisei, por muitos anos, da ideia de ter um homem ao meu lado para me validar, para não me sentir a gorda que ficou pra trás, fracassada, incapaz. Só me arrebentei cada vez mais porque nenhum deles podia dar aquilo que eu procurava. Alguns simplesmente estavam em momentos diferentes, outros eram babacas escrotos mesmo e outros eu também não queria de jeito nenhum porque sabia que eles não tinham o que eu julgava precisar. Foi nessa fase que fui um bom tanto dessa mulher. Eu deixava que os caras fossem na minha casa “me pegar às escondidas” e eles ainda faziam parecer que aquele “nosso segredo era lindo, era só nosso”. Na frente dos amigos eu não existia como mulher, eu era apenas uma garota conhecida. Simpática e amigável, talvez, mas nunca material para apresentar à família, para sair de mãos dadas na rua. Teve um que transava comigo e sequer me beijava na boca e eu aceitava porque achava que era uma fase dele e ia passar. Eu devia ter cobrado, pelo menos. Será que existe um sindicato das prostitutas para eu recorrer?
Sabe o que é o mais legal de amadurecer? É não ter vergonha de expor nada disso. Somos mulheres e já somos vistas como objetos por boa parte dos homens, mas quando somos gordas é ainda pior, isso sem contar com os fetichistas malucos de plantão. Se eu, como influenciadora, puder usar meus exemplos reais para te fazer refletir e conseguir mudar, vale cada segundo de exposição. Não tenho medo de julgamentos porque a minha história me moldou para ser a mulher que sou e tenho orgulho dela. Hoje sei bem o que quero e preciso e não há mais a necessidade de um homem para me validar. Se um dia aparecer alguém, que entre simplesmente por livre e espontânea vontade, que venha para somar, dividir, multiplicar e até subtrair em algumas áreas, mas eu me basto. Hoje o meu amor consegue transbordar a ponto de emanar energia suficiente para mim mesma e uma noite de sexo chinfrim, sem entrega ou envolvimento, não supre nem 1% do meu desejo sexual, então eu dispenso, muito obrigada!
Quando não temos amor próprio é infinitamente mais fácil de alguém se “apoderar” de nós e sugar tudo aquilo que somos e temos, assim como fizeram com essa mulher. Você consegue entender o nível de abuso em que ela está? E ela é permissiva porque não tem forças para sair desse círculo – ainda! Não a julguem achando que ela é fraca, pois quando estamos na opressão muitas vezes sequer conseguimos diagnosticar o abuso e o opressor faz tudo parecer algo bom e necessário. “É melhor isso do que nada / É o que tem pra hoje”… Quantas vezes eu disse isso a mim mesma no passado? Quando somos maltratadas por tanto tempo começamos a acreditar que aquilo é o melhor que podemos conseguir e não, isso não é verdade! O empoderamento se torna cada vez mais necessário e a conscientização deve acontecer diariamente para que não caiamos em pequenas armadilhas que nos colocam em situações lamentáveis. Quando não conseguimos olhar para dentro, quando não nos conhecemos ou buscamos entender quem é que mora dentro de nós de verdade fica muito mais fácil dessas situações acontecerem, por isso repito exaustivamente que o seu corpo e a sua aparência não têm poder para definir nada na sua vida: o poder, a decisão de ser quem você é vem de dentro; é algo muito mais intrínseco e profundo, por isso você precisa enfrentar seus medos e explorar a sua própria caverna: há mais luz nela do que você imagina!
Você é uma mulher dona do próprio corpo, vida e destino. As decisões da sua vida cabem a você. No caso da mulher do relato, observe que ela deixa a decisão principal para ele: “se ele me deixasse, talvez me desse uma chance”. Não! A decisão é sua, somente sua e sair do limbo sempre depende de nós. Pode dar medo? Com certeza, mas sempre há pessoas dispostas a nos ajudar. Não há nada de errado em recomeçar, em reconhecer um erro, em ir para a estaca zero. Nunca deixe na mão de outras pessoas aquilo que é um direito seu. Você pode e tem que decidir por você e não deixar a tomada de decisão para outros.
Desejo, do mais profundo do meu coração, que você consiga sempre detectar situações de abuso e agir rapidamente, com sabedoria e muito amor próprio. Não sejamos esta mulher, mas também não julguemos: se você já foi ela ou se conhece alguém como ela, estenda sua mão, seus conselhos, sua ajuda amorosa e serena, mas não julgue. Cada indivíduo trava sua própria batalha e trilha um caminho único. Você pode dar a mão, mas não pode andar por ela, entende? Também não devemos julgar porque não entendemos qual é a história de vida e as vivências daquela pessoa, então em vez de proferir discursos que nada acrescentarão, pense em como você talvez consiga ajudá-la. Peça a Deus para te iluminar. Caso você seja essa pessoa, assim como eu um dia já fui, terapia ajuda muito e eu indico a todas nós, sempre. Ouça pessoas, preste atenção nos comportamentos do outro, analise, observe e olhe para dentro de si mesma cada vez mais que você encontrará respostas.
A gente não tem que ter medo de errar. O erro está em nunca reconhecer uma falha e querer sair dela, evoluir, tentar novamente. Nunca se envergonhe das suas lutas e dos seus fracassos, pois foram essas situações que te moldaram para ser a mulher que você é hoje. Tenho certeza que eu e você, buscando melhorias diariamente e acreditando em nosso amor próprio seremos, cada dia mais, grandes mulheres!
2 comments
Ana
Senti-me abraçada por seu texto. Sinta o meu abraço também. ❤️
Paula Bastos
Ah Ana, muito obrigada! Estamos juntas <3