Teleton 2016: o show de preconceito de Silvio Santos

Silvio Santos é um grande comunicador. Admirado pela internet por seu jeito cool e irreverente, vira e mexe ele é pauta de algum assunto trivial que encanta os internautas, mas no último sábado, dia 05, ele deixou boa parte da internet em polvorosa por atitudes que desagradaram demais no Teleton 2016, programa que visa arrecadar lucros para a AACD, uma instituição que faz um trabalho lindo e super sério. Não assisti ao programa porque estava no casamento do meu primo, mas domingo vi dezenas de postagens de pessoas ofendidas no Facebook e fui ver o que tinha rolado. Fiquei chocada, obviamente! Já até sei que vai ter uma turma do “ai mimimi, problematiza tudo” e o escambau, mas no meu espaço falo sobre o que eu quiser e não vou engolir esse show de horrores a seco porque envolveu racismo, objetificação das mulheres e ridicularização das gordas: tudo o que a massa NÃO precisa ver na televisão aberta para reforçar ainda mais o que já é tão latente em um país machista, racista e preconceituoso!

Analisando os discursos do Teleton 2016

Vou começar do começo, expondo algumas falas do apresentador e falando agora como jornalista, que estudou Teoria da Comunicação e muita Análise do Discurso:

– “Vocês são bonitinhas”: claro, gorda pode ser no máximo bonitinha porque linda, bonita, maravilhosa são adjetivos que só se encaixam a quem está no padrão, certo? E ainda há aquele bordão popular que diz: “bonitinha é feia com dó”. O problema aqui é justamente esse: o interlocutor (Silvio) fala e o receptor (o espectador) assiste e inconscientemente ele já se lembra desses conceitos pré-estabelecidos, que são estímulos reforçados na sociedade, então essas ideias se tornam ainda mais “certas e fortes” para ele, reforçando o ideal de beleza padronizado;

– “(…) embora você seja negra, a única negra entre as brancas, mas é bonita. Você é bonita de verdade”: embora aqui tem o papel de uma conjunção concessiva e poderia ser substituído por ainda que, apesar de, mesmo que. Já li gente falando em defesa do apresentador que ele ama negras e que foi um lapso de comunicação em tempo real. Mais uma vez: por mais que ele ache negras maravilhosas e tenha tido o intuito de elogiar a moça, a MASSA não interpreta assim. A MASSA entende: ela é uma negra no meio das brancas, ela está ocupando um lugar que não é dela e apesar de ser negra, ela até pode ser bonita.” Prestem atenção no que a massa entende: é abominável porque é uma frase totalmente reforçadora do racismo que é SIM, super latente no Brasil. O que mais me irrita nessa frase toda é que fortalece a ideia de que pessoas negras são diferentes das demais, que elas ‘também podem ser bonitas’. Ai, juro… me dá até um mal-estar ao escrever isso porque é absurdo de um jeito que me faltam palavras para descrever.

– “mas com esse rosto?”: e lá vamos nós para a clássica frase “você tem o rosto tão lindo, se emagrecesse…”. Não somos apenas um rosto, nem um corpo: seres humanos são feitos de um todo e reforçar a ideia de que “o rosto pode ser bom, mas o corpo não” é terrível. Nenhuma pessoa quer receber esse tipo de “elogio”, Silvio Santos. Imagine eu falar pra ele: “o seu rosto é tão bonito, mas esse implante/essa peruca…”. E aí? É ridicularização, é achar que está fazendo algo bacana e estar pisando feio no tomate.

– “120kg também é fogo, hein?”: ele perguntou o peso das moças, o que já é totalmente desnecessário porque as pessoas amam saber números pra esfregar na sua cara que você é doente porque o IMC – conceito criado pelos homens das cavernas e ainda praticado por médicos pré-históricos que ignoram completamente a composição corporal total de um ser humano – indica que você está à beira da morte: é assim que a MASSA entende. Ninguém precisa ser ridicularizado por causa de um número e isso só reforça todo o estereótipo de gordos que já é amplamente conhecido na sociedade. Qual a necessidade de expor a menina assim? Se as pessoas têm curiosidade de saber quanto alguém pesa, rebato com o seguinte argumento: todo mundo sente curiosidade de saber o tamanho do pênis dos coleguinhas e ninguém sai por aí perguntando “qual o tamanho do seu pinto?” Educação e bom senso mandam beijos, Silvio Santos.

– “você come muito? Você acorda cedo e dorme tarde?”: porque lógico que a única função na vida de uma pessoa gorda é comer, minha gente. Aliás, a única coisa que gordos fazem é se entupirem de comida o dia inteiro!

– “quem casar contigo vai ter dois prazeres: um na hora do bem-bom e outro na hora que você sair de cima”: preciso mesmo fazer um comentário sobre esse discurso? Piadinha de primeira série agora? Porque me lembro bem que quando eu estava entre a primeira e a quarta série era bem comum eu ouvir: “Paula, se você sentar em cima dele você mata ele, então senta com tudo”. Isso acontecia quando algum moleque da escola ficava me enchendo o saco e aí alguém, muito sábio, vinha e dava essa sugestão.

Procurei trechos completos dessa parte do programa, mas só encontrei fragmentos. Ao final da participação das meninas uma das bailarinas vai brincar de fazer um truque com o bumbum e o Silvio Santos apalpa a moça e ainda dá um tapinha. Não é que eu problematizo tudo, não. Se sou chata, sou chata porque graças a Deus cheguei a um nível de consciência que adoraria que os outros seres humanos chegassem. Ver um homem achando que pode “avaliar” uma mulher como material para ver se o agrada (porque apalpada e tapinha servem pro homem decidir se aquilo é bom para ele ou não) em rede nacional, estimulando outros homens a se acharem no direito de fazer a mesma coisa quando estamos lutando pela desobjetificação do corpo feminino é inadmissível. Se ele tivesse feito isso em mim ele teria levado um tapa na mão em rede nacional, pode ter certeza disso. O corpo feminino não é objeto. Os caras veem isso e pensam o quê? Que eles também têm o direito de fazer isso. Tudo muito errado!

Entendo que para as meninas convidadas para dançar foi uma excelente oportunidade de propagar o trabalho delas e empoderar gordas. Embora elas tenham dito que não se sentiram ofendidas porque são bem resolvidas, o problema vai além do que elas sentiram ou pensaram: o problema fica no que é absorvido pela massa: racismo, ridicularização das pessoas gordas e mulheres feitas de objeto para a satisfação masculina. Se elas são bem resolvidas, 80% das mulheres gordas ainda não são e isso faz com que não apenas elas se sintam humilhadas, mas todas essas atitudes reforçaram o que já é péssimo na sociedade e precisa ser mudado. Várias leitoras já vieram me procurar indignadas para saber o que eu achava a respeito do show de horrores que aconteceu no Teleton 2016 e não dá para se calar diante dessa situação e achar que é tudo uma grande brincadeira. Podem me chamar de mimizenta e problematizadora o quanto quiserem: VOU FALAR SE ACHAR QUE TENHO QUE FALAR, SIM E FALAREI QUANTAS VEZES ACHAR NECESSÁRIO. Não brinco de ser ativista, eu sou, é a minha vida, a minha causa e todas essas porcarias impactam no mundo em que vivo, então o assunto tem que ser discutido sim. Nunca vou achar que tudo bem ridicularizar alguém: se dou sermão em gente que vem contar piada preconceituosa para mim vocês acham mesmo que não vou questionar as atitudes lamentáveis de Silvio Santos? Não pense apenas no seu umbigo: o problema se estende para a massa, abrange o todo e não dá para achar que porque você é bem resolvida, então tudo bem. Temos que pensar além, pois é assim que se luta contra o preconceito e é assim que a gente vai fazendo a diferença: conscientizando e fazendo as pessoas entenderem que não foi legal porque ridicularizar gordas, ser racista e machista não é ok, está errado.

Não adianta dizer que o Silvio Santos está velho, que ele é espontâneo e brinca com tudo e todos: foi feio, foi desnecessário, ele errou e compactuar com as atitudes dele é um retrocesso sem tamanho. Que esse ocorrido sirva para vocês analisarem bem o que pensam, falam e reproduzem por aí. Queremos ter espaço na TV aberta sim, mas não para sermos ridicularizadas.

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