Salvador, fevereiro de 2014
Hoje, aos 34 anos, entendi que tudo na vida é uma questão de percepção. Vamos entender o que é, exatamente, a percepção de acordo com o dicionário?
Substantivo Feminino: Impressão; capacidade para discernir; juízo consciencioso acerca de algo ou alguém: é necessário entender a percepção do certo e do errado.
Como é e como foi o seu discernimento acerca do seu corpo e da sua imagem? Há dias estou para escrever este editorial e a necessidade me veio quando minha irmã postou uma foto minha, dela e de minha mãe no Facebook. O retrato era da minha colação de grau da oitava série. Olhei para a imagem e fiquei uns bons minutos analisando-a e voltando ao passado. Eu era apenas uma grande garota: alta, encorpada, fora dos padrões sim; um pouco acima do peso, sim, mas nunca a obesa mórbida que eu julgava ser na época. Me lembro exatamente de como eu olhava para mim mesma diante do espelho: eu sentia repúdio, fracasso, medo, raiva e ansiedade. Eu queria ser magra a todo custo. Queria ter o corpo das top models que eu via nas revistas e nos desfiles de moda.
Minha mãe, minha irmã e eu na minha formatura da oitava série. Eu tinha 14 anos
Sabe o que mais me surpreende hoje, lembrando daqueles dias? Naquela idade eu não fazia a menor ideia de que eu jamais poderia ser como as top models porque a minha estrutura era completamente diferente da delas. Eu achava que, se emagrecesse bastante, eu seria linda, magra e completamente aceita e aí sim eu teria vencido na vida. Eu era incapaz de entender que as pessoas tinham biotipos diferentes, estruturas diferentes. Me lembro que naquela época eu já ficava admirando o quadril e o bumbum avantajado das meninas que o tinham, os peitos grandes também. Aos 14 eu entendia que meu corpo ainda estava em desenvolvimento e tinha certeza que teria peitão, bundão e quadrilzão. Claro, eu era gorda e toda mulher gorda tinha esses atributos.
O desenvolver da percepção na adolescência
As minhas percepções sobre corpo eram muito, mas muito equivocadas. Eu cresci em meio a mulheres bem magras, bem padrão. Minha mãe sempre foi magra e alta, minha melhor amiga também, minhas primas também. Eu tinha apenas uma amiga gordinha na escola e o corpo dela era bem diferente do meu. Aos 14 eu não tinha referenciais para entender que o meu corpo era apenas diferente, mas era bom. Não tinha nada de errado comigo e eu não era a obesa mórbida que eu achava que era. Tudo bem também que eu não desenvolvi o peitão, o bundão e o quadrilzão que eu queria.
Ironicamente, sabe o que acontecia? Quando ia a endocrinologistas eles sempre diziam que eu tinha a estrutura corporal de modelos: quadris com as mesmas medidas do busto e cintura mais fina, mas não a ponto de ser ampulheta. Minha silhueta era equilibrada, harmônica, mas meus ossos era muito maiores do que os das top models. Eu não entendia isso: apenas assimilava que se meu corpo tinha a mesma estrutura que o delas, emagrecendo eu ficaria como elas e seria linda. Me faltavam referenciais para que a minha percepção fosse diferente na adolescência. Representatividade importa demais, entende?
Foi por ter crescido sem referenciais, sem entender que meu corpo apenas tinha uma proporção diferente que me maltratei até os 30 anos, idade em que me aceitei de verdade e fiz as pazes com o espelho. Eu fazia muita terapia – e as terapeutas eram todas magras e, consequentemente, um espelho do que eu deveria ser. Tudo o que estava ao meu redor era completamente diferente de mim e eu me via sozinha, incompreendida, perdida e com muita dor e mágoa no coração por não ser como eu gostaria.
A percepção e seus conceitos devem ser trabalhados e construídos diariamente com base em nossos aprendizados
Essa reflexão toda me fez pensar que ainda hoje, mesmo depois de evoluir tanto, a minha percepção ainda falha demais. O meu menor peso nos últimos 10 anos foi em 2014, quando morava em Salvador. Hoje, com uns 15 quilos a mais (eu já emagreci 12 por conta da hiperinsulinemia), eu olho para as fotos de 2014 e vejo que eu estava bem, mas na época não pensava assim. Em dezembro de 2016 atingi o maior peso da minha vida inteira e, acredite, foi um valor muito, muito alto. Ninguém acerta meu peso porque tenho 1,80m e ele é bem distribuído, mas se for calcular pelo IMC – que eu acho totalmente nada a ver porque não leva mil fatores em consideração – estaria com obesidade mórbida. Aí olhava para as fotos de 2014 e pensava: “eu estava tão bem e não enxergava isso”.
Em 2014, Salvador – com meu menor peso dos últimos 10 anos
Tem uma frase que me marcou demais que um dia ouvi de uma ex-colega de trabalho, também gorda. Ela disse: “não importa como é o seu corpo. Ele sempre vai ser o sonho de alguém. Se eu tivesse o seu corpo, eu me sentiria magra e muito feliz” Lembro até hoje do impacto que a frase me causou, tanto que nunca esqueci. Ela estava ali, achando o meu corpo incrível e sonhando em ser como eu enquanto eu só conseguia me detestar e enxergar todos os problemas do mundo em mim (eu tinha 21 anos).
Hoje faço sempre esse exercício da percepção, de não ser tão cruel comigo mesma, de não me torturar buscando um ideal em que não me encaixo: o da top model. Posso até emagrecer um tanto um dia, ficar mais definida por conta de exercícios, mas a minha estrutura grande não irá mudar. Minhas costas continuarão sendo largas, continuarei não tendo quadrilzão, bundão ou peitão (eu quero colocar silicone um dia!) e eu posso simplesmente continuar sendo eu sem querer me moldar com base em outra pessoa.
Ontem, hoje e todos os dias
Não existe uma forma certa para a imagem: o certo é você simplesmente se encarar no espelho e se sentir feliz com o que vê. Não importa se está na moda cabelo liso, peitão, peitinho, curvas ou abdômen trincado. Esqueça os modismos e foque apenas na percepção que você tem de si mesma. Revisite sua vida, entenda porque você se cobrou tanto um dia, observe o que pode te libertar, inspire-se em novos referenciais que não sejam apenas físicos, mas sim de mulheres que você admira. Coloque uma lente de amor em seus óculos e pare de se torturar por não ser alguém que te disseram há décadas que você deveria ser. Isso ficou no passado. O que importa é quem você é agora e o que você irá fazer com a grande mulher que existe dentro de você.
Percepção: trabalhe todos os dias. Mude seus conceitos, aprenda com o novo e com o velho, revisite ideais, molde sua essência, mas jamais – e eu repito -, jamais se torture, se cobre e se machuque por conta da sua imagem. Você vai envelhecer. Rugas irão aparecer, seus cabelos irão branquear, seus lábios afinarão, sua pele ficará flácida e outras coisas mais acontecerão. Você irá se amar apenas enquanto for jovem ou irá entender que seu corpo carrega sua história? Crie um laço de amor consigo mesma, perceba que a essência influencia diretamente na aparência e escolha se amar e ser feliz. É uma questão de escolha porque você pode continuar se odiando e se torturando ou escolher aprender a se desgarrar de toda essa negatividade para renascer e descobrir em você uma linda e grande mulher. Não é simples, nem fácil e precisa ser exercitado todos os dias, mas se eu consegui, você também consegue.
Eu estou aqui por mim e por você, não se esqueça disso. Conte comigo!
2 comments
Lídia
Na adolescência eu já era gorda tb..e foi uó!! Muito complexo e baixa auto-estima. Se eu tivesse a cabeça de hoje teria sido muito mais fácil!! Posso dizer que sou bem resolvida e consigo (hoje em dia!) me achar bonita e sensual. Ainda tem algumas questões, mas evoluí muuuuito. Mas mesmo evoluindo, decidi que não quero ser mais gorda! E vejo que estou madura para conseguir emagrecer dessa vez. (já foram muitas tentativas/remédios no passado). Não é só estética, principalmente saúde! Tenho pressão alta e na família do meu pai e mãe tem casos de infarto, problema de circulação, diabetes. Não quero meeeesmo correr esse risco!
Lidi
Nossa Paula, esses dias estava olhando umas fotos minhas dessa época dos treze, catorze anos (não tenho foto da formatura porque não fui por odiar meu corpo). E eu fiquei olhando para aquelas fotos e pensando no absurdo que eu passei, a pressão da família me dizendo que eu era gorda, mas eu só era e sou GRANDE! Eu tenho 1,83 de altura e naquela época eu pesava 50kgs a menos do que eu peso hj. Até comentei com uma prima minha indignada, de como, como nunca ninguém chegou pra mim e me falou que não tinha nada errado com o meu corpo, e como hj, mesmo com 50kgs a mais eu me acho muito mais bonita e também em paz comigo mesma.