Há anos quero escrever um post falando especificamente com minhas leitoras negras, mas não sabia como falar porque um dia escrevi algo no Facebook achando que eu estava dizendo algo mega bacana e virou um reboliço só. Na época fiquei muito triste e não entendi porquê uma mulher negra ficou tão ofendida comigo e me falou poucas e boas e, desde então, nunca mais tentei escrever nada que fosse especificamente direcionado para negras por receio de cometer outro erro. Hoje estou correndo outro risco, mas vou fazer exatamente aquilo que sei fazer: ser eu mesma e dizer o que sinto.

Recentemente consegui entender porque aquela mulher se ofendeu com meu discurso e, realmente, o que eu disse não foi certo. Eu queria dizer para as negras se apropriarem de seus valores – assim como falo para todas as mulheres – e não se vitimizarem, achando que eu estava ajudando a empoderar, na minha “cega inocência”, na minha falta de conhecimento. Sabe quando a minha ficha caiu e eu consegui entender 3% do que é a luta das mulheres negras contra o racismo e o preconceito? Num dia em que eu, no meio de uma discussão com um rapaz, de cabeça quente, virei para ele e disse “eu não sou suas negas, não”. Não preciso mentir e nem mascarar nada, pois estou aqui escrevendo isso de peito aberto porque sou humana, cometo erros e estou aqui para aprender e tentar fazer a diferença, mas é como se, no segundo seguinte em que a minha frase foi proferida, um milhão de fichas caíssem dentro de mim dizendo “você percebeu o que acabou de dizer? você entende como acabou de fazer um comentário racista, de como as ideias são veladas e proferidas de forma muito espontânea sem que percebamos o que estamos fazendo porque já virou bordão?”

E eu, envergonhada da minha atitude, sem nem entender de onde aquele pensamento tinha vindo parar no meio daquela discussão, sentei no chão do banheiro com o celular na mão e chorei. Chorei de vergonha de mim mesma, da minha falta de conhecimento, da minha falta de percepção e “inocência” em nunca antes ter notado que muitas coisas que a gente diz “brincando” estão carregadas de racismo, de preconceito. Aquilo bateu em mim feito uma bomba e eu comecei a pedir perdão a Deus ao mesmo tempo em que o agradecia por me ter permitido entender onde eu errava e como poderia tentar fazer diferente. Eu não sei o que é ser negra, não faço ideia do que essas pessoas enfrentam e, percebi que, assim como eu não sei, a maioria da população não sabe porque, justamente, nos falta conhecimento. Estudamos a história do Brasil e falamos sobre escravidão, mas é muito pouco. Ninguém realmente ensina as crianças a entenderem que este país se construiu e evoluiu porque muito sangue negro foi derramado e que as consequências da escravidão afetam diretamente o presente e o futuro. A gente não sabe de nada, essa é a verdade. Ensinam aquilo que é trivial, mas não nos ensinam sobre igualdade, sobre os direitos sociais; não nos ensinam a pensar nos questionamentos levantados pelos negros que lutam para ter voz hoje. 

Hoje entendi perfeitamente o que aquela moça que se sentiu ofendida – e que eu ofendi sim, na minha ignorância – quis dizer: eu não tenho o direito de falar para as mulheres negras não se vitimizarem porque 1. Não sou negra; 2. porque elas são vitimizadas e isso não é coitadismo. O preconceito e o racismo são reais e acontecem todos os dias e acontecem das formas mais mascaradas possíveis quando uma pessoa como eu, que não é racista na consciência, vai e fala sem nem pensar “eu não sou suas negas”. Tem muita coisa que a gente fala e faz que nem percebe porque já virou “bordão, brincadeira, meme ou etc”. Não! Se queremos mudar, é ao menos tentando ter consciência dessas pequenas coisas que a mudança começa. É prestando atenção nos nossos discursos, nas analogias que usamos, nas atitudes que temos, nos olhares que lançamos. Eu tenho muito, mas muuuuuuito para aprender sobre a luta da raça negra, especialmente das mulheres negras porque, obviamente, sou a favor do feminismo. E eu não quero, nunca mais, sentir vergonha de mim mesma como senti aquele dia; espero nunca mais me pegar utilizando um bordão preconceituoso ou tentando dizer algo achando que estou ajudando quando, na verdade, estou invalidando a história de um povo porque eu não aprendi o suficiente.

Sem demagogia alguma, decidi escrever isso justamente hoje porque é dia da Consciência Negra e eu quis tentar, de alguma forma, colaborar de forma positiva ajudando minhas leitoras a refletirem porque a gente comete muitas coisas sem nem perceber porque está enraizado em nós e precisamos acordar, ter consciência. Eu quero pedir perdão àquela moça que se ofendeu com meu discurso porque hoje entendo que foi ofensivo; quero pedir perdão a todas as negras que ofendi quando falei para aquele rapaz que “eu não sou suas negas”. Se ser humana é aprender com os erros, eu evoluí porque consegui entender que o racismo às vezes é muito sutil e tudo isso serviu para me dar mais vontade de conviver e aprender mais com mulheres negras, de voltar na história e entender mais sobre as mazelas que essas pessoas sofreram, de entender como eu posso ajudar o mundo a ser um lugar mais justo, com igualdade e direito para todos. Eu tenho muito para aprender, muito – e todas nós temos, de verdade, porque não nos ensinam o suficiente para conseguir entender a luta contra o preconceito e o racismo – mas fico feliz de, no dia de hoje que significa tanto, vir aqui dizer que eu quero fazer diferente e quero colaborar para que as mulheres negras tenham os mesmos direitos, respeito, igualdade e reconhecimento nesta sociedade.

E agora, aproveito o gancho deste editorial e da data para mostrar a vocês um trabalho recente do fotógrafo de moda e retratista Roma Junior. Com inspiração nos retratos do australiano Peter Coulson, ele fotografou as modelos Dayana Toledo e Mariana Ruivo para explorar a diversidade de belezas entre as mulheres brasileiras!

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Comentários

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8 comments

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Tenho muito orgulho de ser sua seguidora. Vc tocou num ponto bem sensível. Esses “bordões” perpetuam aquilo que a gente quer mudar. E quando falamos sobre eles nos dizem que é ‘mimimi’.
O racismo se esconde nas sutilezas arraigadas, por isso é tão difícil acabar com ele.
Mas tenho fé quando pessoas lúcidas como vc escrevem coisas assim!
Talvez meu filho consiga viver num mundo mais transparente ,onde seu caráter vai valer mais do que a cor da pele.

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Você sempre sendo um motivo pra sorrir! Eu também espero que seu filho possa viver em um mundo mais bonito, com mais oportunidades, respeito e igualdade! <3

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Se a ferramenta de combate ao racismo continuar sendo o vingancismo cego que atira pra todo lado, seu filho vai viver num mundo com mais racismo e mais ódio.

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Paula, tomar consciencia de que errou eh sinal de amadurecimento. Quando a gente se utiliza de ferramentas para expor nossos pontos de vista, como no caso dos blogs, temos que estar preparadas para criticas, opinioes e ofensas.
Hj vc se desculpou por ter ofendido, sem interesse em faze-lo, a alguem que se sentiu ofendida com seu texto anterior. Voce esta de parabens, mas nao sinta que cometeu um ato racista. Essa intolerancia a qualquer pensamento que nao corrobore com alguem, esta se tornando um verdadeiro porre no Brasil!
Bola pra frente, gata-garota!
Beijos mill, Maria Paula

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Identifico-me com gente que tem coragem de divergir publicamente do que se chama “espírito da época”. Esses são os verdadeiros motores da civilização. O combate ao racismo no país tem usado como arma o vitimismo sim. Majoritariamente. Como a História e o Tempo são os únicos Julgadores, tenho apenas divergido mesmo.

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Querida Paula!!! O mundo precisa de mais pessoas como vc, quem dera as pessoas parassem para pensar no que fazem e no que dizem a respeito de outras, quem dera as pessoas se colocassem no lugar umas das outras. Oq vc fez hoje é um gesto de nobreza, pois vir a público pedir perdão é algo bem raro, tocar nesse assunto é sempre muito delicado, pq algumas pessoas sequer sabem das nossas lutas no passado, nossa luta diária e oq simplesmente queremos para o futuro o respeito, que é oq todo o ser humano independente da cor, raça, classe econômica, biotipo físico ou religião merece. Também espero um futuro melhor para minhas filhas, que minha filha mais nova não tenha sempre que se explicar porque ela é loira dos olhos verdes e mãe dela é negra, entre outras coisas que nos deixam de queixo caído ainda nos dias de hoje. Mas vamos em frente pois é muito importante o legado que deixaremos para nossos filhos não é???
Sou ainda mais sua admiradora, não só por essa linda matéria sobre o dia da consciência negra e de como isso mexeu com seu emocional e o de outras pessoas, mais sim por todas outras causas que vc tem se engajado. Parabéns lindona, que os desejos do seu coração seja também os do coração de Deus, que Ele continue te abençoando mais e mais e muito mais. Tenho certeza de que tudo oq escreveu foi sincero e de coração. Um grande beijo….

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Oi xará!

Você me emocionou, viu? Acho que assumir nossos erros, refletir e expor isso em público é uma forma de amadurecermos e de mostrarmos que estamos realmente preocupados em fazer o nosso melhor. Dentro das minhas falhas e defeitos procuro sempre evoluir e colaborar de alguma forma porque temos que fazer a diferença, ou ao menos tentar! Obrigada pela carinhosa mensagem. Um beijo no coração!

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Me identifiquei muito com vc. Tb sou branca, não sei o que uma negra sofre de preconceito no dia-a-dia, tb não sou preconceituosa conscientemente e, desde criança/adolescente “brigo” com quem demonstra ser preconceituoso. Mas, infelizmente, já cometi o erro, diversas vezes, de repetir frases preconceituosas sem parar pra pensar. Vc errou, pediu desculpas e assume a vontade de não mais errar. E eu quero assumir esta vontade tb. A mudança do mundo começa por nós mesmos, né!? Tenho muito orgulho de vc!! Bjs

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