O dia em que Betty Faria perdeu a chance de ficar calada

“Todo mundo tem o direito de falar o que quiser. Eu, por exemplo, não gosto de mulheres gordas. Elas me incomodam profundamente. Tenho repulsa, rejeição. Sempre batalhei para não ser uma velha gorda’, disse a atriz.” – FARIA, Betty.

Quero começar este editorial citando minha brilhante amiga, Amanda Souza, por quem eu também fiquei sabendo desta lamentável fala da atriz Betty Faria: “Troque “gorda” por “negra”, “judia”, “cega”, “manca” e daí você vai entender de verdade o que é a gordofobia e por que ela está longe de ser um melindre”. Eu poderia levantar e aplaudir Amanda em pé, pois ela sintetizou em apenas uma frase qual é o peso da gordofobia. As pessoas realmente acham que é frescura e sabe por quê? Porque elas entendem assim, ó: ninguém tem “culpa” de ser negro; ninguém tem culpa de ser cego; ninguém tem culpa de ser manco; ninguém tem culpa de ser judeu ou etc, mas as pessoas TÊM CULPA DE SEREM GORDAS, elas escolhem isso. Acho que os homossexuais nos entendem melhor porque é a mesma concepção que a sociedade tem dos gays, que “ser gay é uma escolha”, então eles têm culpa de serem gays.

Se você está por fora da polêmica do dia, trata-se de uma entrevista dada pela atriz Betty Faria à revista Joyce Pascowitch em que ela aparentemente fez várias declarações, entre elas a que coloquei na abertura desde editorial em negrito. Como jornalista, estou apenas esperando o rojão estourar para que a atriz diga que o repórter que a entrevistou distorceu seu discurso, ou coisa do tipo, quando a assessoria de imprensa dela – se é que ela tem uma – for fazer o gerenciamento de crise deste lamentável episódio. Talvez não: talvez ela bata no peito e diga que ela tem, sim o direito de dizer o que pensa e sente, gostem as pessoas ou não. Realmente, ela tem esse direito: ninguém é obrigado a querer ser gordo ou a se aceitar gordo, mas para tudo há um limite e nem todos os seres humanos são agraciados com bom senso, edução ou compaixão ao próximo.

O gordo é visto com a escória para muitos. Motivo de chacota, já cansei de escrever sobre o quanto o adjetivo “gordo” tem conotação negativa. As pessoas o associam com feiura, preguiça, lentidão, falta de vontade, incapacidade, doente, acomodado e a lista pode ficar ainda pior. O que eu não entendo e acho que morrerei sem entender é a parte em que as pessoas gordofóbicas não entendem que o gordo é apenas um ser humano com sentimentos. Essas pessoas, que acham que elas são a evolução da espécie e se julgam acima de todo o bem e mal para apontar ao mundo o que é certo ou errado, fazem com que o gordo sinta cada vez mais medo, fracasso, inferioridade, falta de compreensão, compaixão e muitas outras coisas. Eu nasci gorda, cresci gorda e sou gorda. Por causa de pessoas como Betty Faria que passei anos achando que eu era indigna, feia, incapaz de andar de bicicleta, de correr, de dirigir, de arrumar um namorado, de ter um cargo respeitável em uma boa empresa, de ser admirada; é gente com esse tipo de pensamento que fez com que eu me submetesse as mais variadas dietas, me sentisse humilhada em certas academias, me privasse de curtir uma praia ou piscina por receio de “incomodar aos outros com meu corpo gordo”. Eu me machuquei muito e milhares de pessoas também se machucaram e continuam se ferindo diariamente.

Se ser magro fosse fácil, não haveriam pessoas obesas no mundo. Emagrecer é muito difícil, especialmente para mulheres e manter é mais difícil ainda, pois o corpo está sempre buscando um jeito de acumular gordura. Se ser magro fosse fácil, não haveriam inventado técnicas cirúrgicas, medicamentos, tantas formas de exercícios para queimar mais calorias e etc. Com disciplina, força de vontade e alguns procedimentos é possível mudar de vida? É, mas nem todo mundo consegue por diferentes motivos. E nem todo gordo é gordo porque come feito um porco, por falta de controle próprio. Eu nunca consegui ser magra e já perdi as contas de quantas vezes tentei, mas claro para os gordofóbicos me falta vergonha na cara, sou fraca, desleixada, prefiro morrer cedo, não me cuido, sou relapsa com minha saúde e insira aqui o seu chorume para a listinha.

Sabe qual é o problema da declaração de Betty Faria? Ela é uma pessoa pública que fala para as massas e forma opinião. Sabe o que está me doendo? Quando os paparazzi a fotografaram na praia, de biquíni, e ela recebeu centenas de críticas à sua forma física, eu – a gorda que luta contra os padrões de beleza – foi uma das pessoas que a defendeu. Eu, uma pessoa que se ela visse na rua, sentiria repulsa. Muitas mulheres gordas, por sentirem o peso desse tipo de julgamento diariamente, a defendeu… Me lembro muito bem: defendemos o direito dela curtir a praia, dela ser uma senhora, de ter flacidez, celulite, de ser libre para usar um biquíni, de ser dona do corpo dela. A gente não pode dizer tudo o que pensa, não, por bom senso, por amor, por compaixão. Algumas declarações ferem mais do que bombas. Há pessoas que passarão suas vidas amarguradas por não se sentirem parte do todo; tem gente que tenta tirar a própria vida por não conseguir emagrecer e se sente indigna de viver. Repito: gordofobia não é frescura, não é brincadeira. Tudo aquilo que afeta diretamente a vida humana não pode ser levado como brincadeira.

Pessoas que passam a vida sendo cobradas a ter um ideal de beleza, como essas celebridades, sofrem muita cobrança e passam seus dias buscando uma perfeição que nenhuma plástica vai corrigir. A idade chega para todos, as mudanças no corpo também. A verdade é que ninguém consegue ver um gordo que se cuida e está com a saúde em dia feliz. É como se fosse inadmissível que essas pessoas fossem aceitas, tivessem espaço e respeito. A convivência em sociedade requer que as pessoas saibam a hora de parar e Betty Faria claramente perdeu uma excelente chance de ficar quieta. Quantas fãs gordas ela deve ter? Quantas senhorinhas devem acompanhá-la nas novelas? O que eu diria para Betty se pudesse vê-la pessoalmente neste instante? “Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser, mas não podemos falar tudo o que pensamos. Eu, por exemplo, não gosto de gente preconceituosa, que não consegue se colocar no lugar do outro. Essas pessoas me incomodam profundamente. Sinto pena e peço a Deus para que ilumine o coração delas. Sempre batalhei para levar o amor e aceitação para as pessoas e se eu chegar à velhice como uma senhora gorda, sei que meu nome será lembrado como o de uma grande mulher que fez a diferença.” – BASTOS, Paula.    

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