Eu não sei como funcionam as coisas para você, mas sei como funcionam para mim. Sempre digo que, diante dos nossos olhos vivenciamos um embate paradoxal todos os dias. Enquanto lutamos tanto por quebra de padrões, igualdade e inclusão, vemos claramente que um novo padrão tenta se estabelecer. O blog nasceu em 2009, mas a ideia dele e a pesquisa surgiram em 2008. De lá para cá eu assisto, todos os dias, a sociedade se prender aos moldes. É como se até pudéssemos desconstruir um padrão, mas então um novo precisa nascer. A ideia de rompimento, desconstrução e desalienação ainda é muito difícil para o nosso modelo social. Se formos analisar sociologicamente, o nosso modelo de comportamento é ter padrões. É como se a sociedade fosse uma fábrica e nós um produto, como se sem o padrão tudo fosse se perder, como se ele nos norteasse para o certo, o ideal. Isso se alia ao capitalismo, aos modelos de consumo, aos posicionamentos de mídia e tantas outras coisas.
Começo o texto fazendo esta pequena – e rasa – introdução apenas para que você consiga entender de onde estou vindo. Eu tenho 1,79m, tenho uma silhueta “equilibrada” em termos de medidas e ouço muita gente dizer que eu deveria ser modelo. Não, eu não levo jeito pra ser modelo e sempre explico isso às pessoas. Blogueira e modelo são coisas completamente diferentes. Um fato nisso, no entanto, me chamou a atenção: as respostas que eu mesma dava às pessoas. Eu costumava dizer: “modelo tem corpo ampulheta e eu não tenho; as minhas costas são largas demais; me falta peito; eu não tenho quadril; eu tenho alergia, tenho alopécia e etc.” Era tão automático que eu nem notava, até que um dia a ficha caiu.
Percebi que ao colocar tantos defeitos em mim estava me rendendo ao novo padrão que vem tentando se estabelecer desde que o “plus size” começou a ganhar espaço: o da gorda aceitável. Quem seria ela? Aquela gorda que tem o corpo ampulheta, mais quadril, pouca barriga, cintura mais fina e peito grande ou ao menos mediano. Sabe aquela gorda que geralmente é 46/48 e tem um corpo bem curvilíneo? Essas meninas são as mais procuradas como modelos. Posso atestar isso porque trabalho para o mercado de moda, especialmente para o plus size. Os clientes sempre me falam que a mulher cobra aceitação e tudo mais, quer ver representatividade, mas na verdade é um discurso ainda raso, pois na hora de ver a roupa em uma modelo “maior ou fora desse novo padrão de gorda aceitável” ela acha que a roupa ficou feia, não vestiu bem e não compra. A mercadoria encalha. Não é assim para todas as pessoas, ok? Mas para a grande maioria ainda funciona assim e é verdade, infelizmente.
Eles não estão mentindo, pois vejo isso acontecer com todas as marcas para as quais trabalho e até no meu trabalho como blogueira. Se eu postar um look em que algo estiver marcando já vêm alguém falar que não ficou bom, que não valorizou, que isso e aquilo. Ainda está muito fixado em nossa mente o que é certo e ideal e vai levar um tempo para que consigamos nos desprender desses moldes para sermos verdadeiramente livres. Dias atrás fiquei tão, mas tão feliz quando uma moça me escreveu dizendo que ela se espelhava totalmente nos meus looks porque ela tinha o corpo exatamente como o meu e ela demorou para me achar porque a maioria das blogueiras e modelos têm o corpo ampulheta e ela não conseguia se ver nas produções que elas faziam. De verdade, ler a mensagem dela me lavou a alma.
Quando falamos em corpo, não existe certo e errado, nem para o corpo gordo. O que existe é uma ideia que foi fixada em sua cabeça do que é melhor, do que é certo. Eu nunca me encaixarei no modelo ideal porque, como já disse, me falta quadril e as minhas costas são largas, por exemplo, e isso nem plástica resolve. É COMO EU SOU, É A NATUREZA DO MEU CORPO. Isso não posso mudar. Mesmo que emagrecesse muito, essas características ainda estariam em mim e eu ainda seria uma garota fora do padrão, entende? Você é parte da sociedade e nós, juntas, é que iremos determinar o rumo das coisas. Temos que estar atentas aos novos padrões que tentam criar, ao que se estabelece. É preciso questionar e olhar, inclusive, e muito para as nossas próprias posturas. Você é o tipo de pessoa que deixa de comprar uma roupa porque estava marcando na modelo? É do tipo que acha feio se alguém tem barriga saliente e perna fina, por exemplo? Os seus pensamentos vão te levar para atitudes que irão influenciar diretamente na sociedade. Você quer influenciar para que sempre tenhamos padrões ou para que eles sejam quebrados e todo mundo possa ser livre e feliz sendo como verdadeiramente é ou quer ser?
É algo muito profundo para pensarmos!
Eu posso até não ser modelo, posso não ter silhueta ampulheta; posso ver o vão dos meus seios separados porque minhas costas são largas e querer chorar quando uma calça não me cai bem porque me falta quadril, mas este é o meu corpo, esta sou eu. Fazer as pazes comigo mesma diante do espelho é um ato de resistência diário. Entender que a fórmula da felicidade que associam a um “corpo perfeito” é uma utopia de uma sociedade capitalista que precisa vender em “cima dos nossos defeitos” é uma refexão que faço todos os dias. Quanto “mais errada eu for”, mais eles lucram comigo. Ser padrão não te garante nenhum tipo de felicidade. Corpos não deveriam ser vistos como mercadorias, como objetos de consumo. Quanto mais o machismo cair, mais descontruídas seremos, por isso a luta é de todas nós.
Promete para mim que você vai refletir sobre isso? E espero que a gente possa falar mais sobre o assunto nos comentários!