Muita gente acompanhou ontem o lamentável episódio que envolve a revista Glamour. Para começar a segunda-feira em “tom de descontração”, a revista fez uma postagem em sua página do Facebook com a seguinte imagem:
Vendo isso, sentei para escrever um post, mas achei que falar seria melhor e sem pensar muito ou ensaiar nada, sem maquiagem e toda desarrumada, eu apertei o REC e dei minha cara à tapa para defender aquilo que acredito. Porque sou assim: não tenho medo, não vou me calar e se eu visto a camisa para alguma coisa, pode ter certeza que eu vou representar. Postei o vídeo antes de dormir no Facebook e em instantes ele pegou fogo como pólvora. Hoje, ao acordar, ele estava com mais de 121 mil visualizações, 2310 curtidas, 354 comentários e 407 compartilhamentos, isso fora a postagem do meu Facebook pessoal que também teve um grande número de visualizações e compartilhamentos. Muita gente viu o erro que a publicação cometeu – e mais uma vez: quem se lembra daquele texto de Jana Rosa falando que gorda deveria ir à praia de burca, que a Glamour também publicou e deu pano para a manga? – e, ontem mesmo, depois de receber tantas críticas logo depois da postagem, a revista apagou o post ofensivo e, em seguida, começou a publicar conteúdos positivos relacionados ao plus size. Bater e assoprar não adianta, aliás, fica ainda pior! O portal R& Mulher fez uma matéria comentando o ocorrido e falaram sobre a repercussão do meu vídeo. Você pode ler aqui!
Sabe qual é o problema? O mundo hoje se divide em dois tipo de gente: as que entenderam que para fazer bom humor não é preciso disseminar preconceito e nem diminuir pessoas (quantos anos eu passei ouvindo piadas sobre negros, loiras, portugueses, gordos e etc?) e as pessoas que acham que quem não entende a piada é um chato, mal amado que não tem humor. Então tá, vamos lá: será que esses indivíduos que acham que pessoas como eu são chatas entendem a profundidade desse tipo de conteúdo? Quantos negros sofrem com o racismo enraizado e com a inferioridade com que são tratados por pessoas que acreditam que a cor da pele muda algo? Quantas loiras talvez deixem de acreditar na própria capacidade ou quantos empregadores talvez tenham deixado de contratar uma mulher loira porque havia o estigma de que eram burras e fúteis? Quantas pessoas viajam para Portugal ou recebem os portugueses como se eles fossem idiotas que não sabem o que fazem? Quantas gordas tentam fazer dietas malucas, partem para a bulimia e, nos casos mais graves – E SIM, NÃO É DRAMA: ACONTECE MESMO – tentam tirar a própria vida porque se sentem indignas de viver numa sociedade que não as aceita?
Piadas que inferiorizam qualquer tipo de pessoa não são legais, nem engraçadas e não deveriam ser feitas e muito menos aceitas. Quem ri da desgraça alheia se esquece que um dia pode vestir aquela carapuça ou uma semelhante e aí vai querer a compaixão das pessoas. Para que isso não aconteça a gente tem que lutar contra os discursos de ódio e inferioridade, sim. Eu passei 27 anos da minha vida me sentindo a escória da humanidade porque eu era gorda. Me achava indigna e é como se qualquer mulher magra fosse automaticamente mais do que eu em tudo. A mídia passou décadas jogando mulheres contra mulheres, reforçando o machismo, estimulando a competição entre uma e outra. Nós não precisamos mais disso e, felizmente, há um grande número de mulheres entendendo que a nossa união é que faz a força para lutar contra o preconceito. Uma mulher magra não é melhor nem pior do que uma gorda; uma branca não vai ter mais sucesso do que uma negra; uma loira de cabelo liso não é mais bonita do que uma morena de cabelo enrolado. CHEGA! Somos todas diferentes, temos sentimentos, vivências e culturas diferentes e não precisamos que fiquem ditando regras para a construção interna dos nossos próprios valores. Eu sei quem eu sou e sei bem que o número da minha calça jeans não muda em nada, mas muitas mulheres ainda não sabem disso.
A Glamour Brasil é uma das revistas mais lidas por adolescentes e jovens. Ela atinge um grande número de pessoas da classe C que não tem poder aquisitivo para consumir o que a revista sugere. São milhares de jovens desejando coisas – dos mais variados aspectos – que nunca terão ou serão e estão construindo suas personalidades e caráter em cima do que lhes é ditado, então essas piadinhas de mau gosto afetam as pessoas diretamente, sim. Não adianta a editora-chefe dizer que eles não compactuam com esse tipo de pensamento preconceituoso e que sentem muito pela publicação que foi feita se isso é uma grande mentira comercial. É como se dissessem: “vamos falar o que as gordas querem ouvir para ficarem quietinhas e logo vão esquecer isso”. Se a revista realmente estivesse interessada em fazer um conteúdo de qualidade e democrático, que colaborasse para o desenvolvimento das mulheres, a revista teria todos os meses diversas publicações focando nos mais variados assuntos, biotipos e etnias, mas é claro que focar no comercial é mais fácil: para fazer uma revolução é preciso de muito esforço e as revistas só querem lucrar, não pensem no papel social que têm.
Coloque uma jornalista gorda para trabalhar na Glamour para sugerir pautas mais democráticas; peça a opinião de várias mulheres antes de fazer uma publicação que possa ofender alguém; discutam pautas que possam agregar valor à vida das pessoas: isso é jornalismo de qualidade e é disso que o mundo precisa. Se a comunicação impressa está morrendo, vocês poderiam ser um bom exemplo de como esse quadro poderia ser revertido fazendo algo inovador, mas não. Quem tem a alma ferida vai apenas validar ainda mais a sensação de fracasso, de impotência e descrença em si mesma ao ver uma publicação assim. É como uma gota, que se junta com outra, outra e outra e uma hora o copo enche e a gente não sabe o que vai acontecer com essa menina. A gente não sabe também o que uma menina magra que vê isso e dá risada e acha legal vai falar ou fazer com a gorda do lado dela porque, claro, a revista está ensinando que gordas são preguiçosas, não fazem nada, são incapazes e acomodadas, como se precisássemos do reforço desse estereótipo.
Eu não preciso de uma publicação feminina disseminando valores distorcidos para minhas semelhantes. Não preciso rir de piadas que diminuam qualquer ser humano. Não preciso que uma outra mulher ou homem aponte o dedo e me julgue. Eu preciso de respeito, de força, de representação; preciso de outras mulheres me apoiando, vibrando quando chego mais longe, quando conquisto uma pequena mudança de pensamento na cabeça de outro indivíduo porque isso sim é fazer a diferença e a Glamour poderia estar fazendo parte disso, impactando positivamente a vida das mulheres em vez de fazer piadinha com as dificuldades alheias – porque nem toda mulher é gorda porque come feito uma porca. Há problemas hormonais, gente que toma remédio para determinado problema de saúde, engorda e não consegue emagrecer enquanto está sendo medicada e vários outros casos. Uma retratação não vai mudar o que vocês fizeram, especialmente porque a gente sabe que da boca para fora vocês fazem isso para ficar menos feio, mas dentro de vocês há um coração e uma mente cheios de valores distorcidos que menosprezam suas semelhantes. A gente transparece do lado de fora o que somos por dentro e vocês vira e mexe dão umas dessas, então não adianta mais se retratar, sabe. Já sabemos que vocês são preconceituosos mesmo e que acham um absurdo uma mulher ser gorda.
E só para finalizar, sou gorda, uma grande mulher e tenho muita vergonha na cara, tanta que estou dando a minha à tapa para dar voz a milhares de mulheres que são oprimidas diariamente. CHEGA!
9 comments
katia
ahhhhhhhhhhhhhh… lavou minha alma!
Gabriela
Sensacional!
E não, não adianta pedir desculpa depois. E ainda dar a entender que a gente entendeu errado a piada.
Além de gordas somos burras???
Não vamos aceitar. E se isso é ser chata, é ser politicamente correta, assim seremos!!!
Somos gordas, chatas, politicamente corretas e não vamos deixar ninguém nos menosprezar!!! Tamo junto, Paula!!!!
Marcia
Texto perfeito! Vc nos representa! Revistinha de quinta categoria, atrasada e medíocre…tomara q vá à falência logo…vc sim, menina inteligente, cabeça boa, moderna, visionária. ..Parabéns! Se todos tivessem essa mentalidade, certamente nosso mundo seria muito muito mais feliz. Um abraço. ..Márcia Perusso
Malú
Que atitude mesquinha desta revista,isso prova o quanto estão desinformados….
Fatores genéticos,físicos e etc,não deixa a pessoa manter o peso.
Deviam se informar já que se dizem grande revista.
Indignada com isso
Lulu
Paulinha,
Obrigada por texto tão maravilhoso. Finalmente alguém toma uma atitude e mostra que beleza existe para todas.
O fato da pessoa ser gorda, não faz dela necessariamente infeliz e tão pouco falta de vergonha na cara. Como você mesma citou alguns fatores que envolvem os kilos a mais.
A sociedade precisa enxergar a mulher sem julgá-la de forma preconceituosa e discriminatória quanto ao peso, raça, orientação sexual, etc. Saber valorizar a alma e o caráter de cada mulher.
Big beijos
Liliane Araújo
Menina, você arrasou! Disse tudo! Até quando terão que tornar todas as mulheres infelizes e frustradas só para vender mais? #basta
Karina
já leio seus textos batendo palmas, pq é excepcional tudo que vc escreve! Deve ser pq vc retira da alma… Parabéns!! E obrigada por ser esta pessoa corajosa que enfrenta o preconceito com argumentos tão bem colocados! Vc representa muito bom o público plus! Bjs
Gabriela Lira
Me representou. Eu por exemplo sou loira e diversas vezes tive que ouvir piadinhas de pessoas idiotas (sim porque quem gosta de esteriotipar pessoas só pode ser isso) e ouvi calada, mas chegou em um ponto que era só a pessoa soltar o veneninho que eu logo me defendia.
A atitude da Glamour é deplorável e na verdade não é a primeira vez que eles pisam na bola. Eles são bastante manipuladores e enchem a cabeça das leitoras com as coisas que acham certo e errado…Como eles eles tivessem o poder de determinar isso.
Texto super ótimo…Vou correndo aqui pra ver teu vídeo.
Beijos
Poesia em Transe