Antes de começar, eu queria propor um rápido devaneio:

Vamos imaginar que amanhã, ao acordarmos, estaremos em um Mundo completamente diferente.

Um Mundo onde o tamanho das pessoas não tem relevância nenhuma, é apenas mais uma característica trivial. Neste novo Mundo, gordos e magros (e todos os biotipos possíveis entre um extremo e outro) vivem em perfeita harmonia e são tratados com o mesmo respeito.

Ao passarmos por uma banca de jornais, veremos capas de revistas com os mais variados tipos de corpos. Mulheres magras, gostosonas, gordas, curvilíneas, altas, baixas…todas elas ali, estampando lindamente as capas das mais famosas revistas do momento.

Ao ligarmos a TV, seremos surpreendidas com a figura da mocinha da novela das oito, a protagonista de grande destaque: Ela é uma Grande Mulher, de curvas generosas, que exibe toda a sua fartura no horário nobre e é idolatrada, copiada e desejada por todos os telespectadores, encantados por sua beleza.

Numa visita ao shopping mais badalado da cidade, levaremos um susto com a enorme variedade de roupas incríveis disponíveis em todos os tamanhos – do PP ao XXGGG. Até mesmo aquelas lojas chiquérrimas de grifes estrangeiras terão expostas em suas vitrines peças em todos os tamanhos, como sempre sonhamos.

Ao conectarmos nossas redes sociais, descobriremos que a queridinha do momento, trending topic mundial e que acabou de ser eleita pela revista famosa como a mulher mais linda do Mundo, é nada mais nada menos que aquela modelo plus size que usa manequim 54, e que agora é colega de agência da Gisele Bundchën porque não existe mais o mercado plus size assim, separado. O Mundo da Moda se transformou em um só, e nele há espaço para modelos de diversos manequins, sem que seja necessária a impressão de rótulos.

Estes são apenas alguns exemplos do que veremos neste novo Mundo. Um Mundo onde as diferenças não são discriminadas, mas incluídas, e onde há espaço para todo mundo brilhar, aparecer, se vestir bem, etc. Um Mundo onde existe um olhar mais generoso e menos preconceituoso, que consegue romper as barreiras daquela beleza que tempos atrás era tão estereotipada e tão inatingível.

Pois bem. Estando neste Mundo Ideal, será que alcançaríamos a tão sonhada satisfação e felicidade com nossos próprios corpos? Conseguiríamos verdadeiramente gostar da imagem que vemos refletida no espelho? Conseguiríamos nos sentir seguras com nossa real beleza, sem a pressão do corpo magro de outrora? Estaríamos satisfeitas pela efetiva democratização da moda e pela queda dos padrões de beleza?

Seríamos capazes de nos sentir verdadeiramente e plenamente belas, exatamente como somos?

Acho que vale esta reflexão. E as respostas às perguntas acima têm que ser buscadas de maneira muito honesta porque elas dizem muito sobre quem nós somos e no que acreditamos de verdade.

E é fundamental encontrar a própria verdade, por mais que este seja muitas vezes um processo doloroso e de “auto-confrontamento”.

Porque, vejam bem: nós levantamos a bandeira do “movimento plus size” e vivemos dizendo de todas as maneiras que conseguimos como é importante “cada uma se aceitar como é” (sic! – odeio este termo, quem me lê sabe), como é importante “valorizar a real beleza que há nas grandes mulheres”, como “a sociedade nos julga pela nossa aparência”, como a sociedade nos reprime, como a moda nos boicota por não nos oferecer roupas dignas, como a mídia é culpada por vender uma beleza estereotipada a partir do corpo magro, e bla bla bla.

Temos um discurso robusto e inflamado contra “essa sociedade hipócrita que exclui quem não se adequa ao padrão”. Culpamos todas as instituições pela construção de um modelo de beleza inatingível e lutamos pela democratização da moda, da mídia, e da definição do belo.

Mas será que todo esse nosso engajamento é assim, uma verdade-verdadeira? Será que nós efetivamente acreditamos naquilo que estamos defendendo?

E então eu volto à historinha do começo do post, pra perguntar na lata: Naquele Mundo ideal tal como descrevi, seríamos realmente felizes com nossos corpos? Conseguiríamos nos enxergar verdadeiramente lindas?

Note que não teríamos mais como culpar a sociedade repressora. Não poderíamos mais justificar nossa infelicidade nos padrões inatingíveis, não teríamos mais o argumento da falta de roupas legais, não poderíamos mais dizer que nos olham enviesado, que nos chamam de aberrações, que nos discriminam, não teríamos mais como xingar a mídia, não teríamos mais como culpar ninguém.

Será que realmente conseguiríamos nos sentir seguras e realizadas como somos, ou continuaríamos alimentando, lá no fundo do nosso coração, a ideia de que a vida seria melhor se vestíssemos um jeans 38?

Vou mais longe: Se pudéssemos escolher entre adequar nosso corpo aos padrões atuais (ou seja, emagrecer e ter um corpo de top model como num passe de mágica), ou adequar os padrões atuais ao nosso corpo, o que será que escolheríamos?

Não tenho dados estatísticos e nem quero fazer generalizações, mas sou capaz de apostar (e ganhar) que muitas de nós continuariam infelizes com nossos corpos, sentindo-nos reprimidas mesmo sem existir qualquer repressão, sentindo-nos cobradas mesmo sem existir qualquer cobrança, sentindo-nos discriminadas mesmo sem existir qualquer discriminação. E sabem por quê?

Porque a cobrança, a repressão, a discriminação e a insatisfação com o corpo não se vincula a fatores alheios, mas sim em conceitos que são nossos, e que, de alguma forma, mesmo sem perceber, abraçamos, absorvemos, e consciente ou inconscientemente, nos impomos como ideal.

É um dedo na ferida. É um assunto desconfortável. É uma reflexão incômoda. Mas é importante que se faça.

Se você é uma Grande Mulher, mas só consegue se imaginar realizada, poderosa, autoconfiante e segura num corpo de top model ou algo que o valha, talvez você não acredite de verdade na beleza farta. Ou até acredite, mas inconscientemente a considere inferior, já que nos seus devaneios acaba sempre abraçada a algum desses padrões magros contra os quais se insurge tanto.

Se você é uma Grande Mulher, mas não titubearia diante de uma oportunidade de emagrecer num passe de mágica, então talvez você não acredite de verdade na sua beleza, como você é.

Se você concorda com aqueles que dizem que “toda gorda, se pudesse emagrecer, emagreceria”, então talvez você realmente não seja feliz como você é, talvez nunca consiga ser e, talvez, devesse procurar resolver isso porque ninguém merece viver infeliz pro resto da vida, não é mesmo?

Por favor, entendam que não estou julgando ninguém, muito pelo contrário! Estou o tempo todo me inserindo nos questionamentos, porque eles cabem pra mim também. E porque este é um assunto que me incomoda demais.

É fundamental viver com verdade. Buscar e encontrar a própria verdade pode ser um processo doloroso e assustador, mas é importante não desistir.

Se você busca uma autoaceitação baseada em uma imagem na qual você NÃO acredita, é bem provável que você nunca vá se aceitar de verdade. É como dar murro em ponta de faca. Não vai funcionar, é discurso da boca pra fora, e serve apenas pra acumular frustrações e recalques.

Seja, antes de mais nada, honesta com você mesma. Honesta, não condescendente. Honesta, não boazinha. Honesta e corajosa, pra arregaçar as mangas e ir atrás da sua verdade, por mais que ela seja politicamente incorreta ou desagrade a maioria. Defenda sempre a sua verdade, porque ela é sagrada, e é o único caminho capaz de te conduzir à plena satisfação.

Beijos Fartos!

Comentários

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3 comments

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A palavra certa é: estou boquiaberta com o seu texto!
Na minha opinião você não poderia ter dado tiro mais certeiro e perfeito. Acertou bem no centro daquelas verdades que não queremos admitir, mas que estão lá, esperando a coragem de admitir e colocar as mãos as obras, para buscar resolver aquilo que nos incomoda e nos aprisiona. Fomos feitos para sermos felizes!
Perfeito! Parabéns, ganhou mais uma fã.

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oi lindinha, amei seu blog, affffff tem dicas maravilhosas… amei os modelos de vestidos
sou gorda e amo vestido mas é raro achar no mercado pra comprar, principalmente de tecido..
bjs trenzim fofo..

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Precisamos derrubar todo e qualquer padrão, não só os de beleza. A natureza é diversa por definição e essência. Padronizar, portanto, é desnaturar e desumanizar.

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